Relatório da Comissão de Direitos Humanos da Alerj - 2015 | Page 64

RELATÓRIO DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA DA ALERJ | 2015 | 63
Ipanema e se sofrer homofobia, a Lei vai ser acionada, vai me proteger, mas dentro da favela não. É muito difícil ser gay, lésbica, bissexual, travesti e transexual dentro do território de favela.
CDDHC: Você enxerga alguma especificidade para as mulheres trans nesse cenário? Gilmara Cunha: Ele é bem opressor. Existe uma regra na favela: é aceito o gay, mas porque ele se veste como homem, é aceito a lésbica porque duas mulheres se beijando representa o fetiche masculino, mas quando você é uma travesti dentro das favelas o cenário é outro. A ausência do Estado nesse espaço faz com que as igrejas evangélicas se proliferem e vão criando dogmas introduzindo nesses indivíduos muito preconceito. Começa-se a criar nas favelas exércitos de Cristo. Então, quando você tem uma travesti que se veste completamente como mulher há uma discriminação muito forte. Expressam o pensamento:“ Veja essa travesti não quer ser mulher? Ela só se identifica como mulher”. Não, ninguém quer ser mulher ou gerar um filho, mas as pessoas acreditam que a gente quer isso. Então, em se tratando da população favelada, a primeira demanda é garantir a vida. Depois disso, aí podemos pensar em conquistar outros espaços.
CDDHC: Qual é o lugar da resistência e de articulação para essa população trans diante desse quadro de retrocesso no qual à vida precisa ainda ser preservada? Gilmara Cunha: Eu acredito que primeiramente é mobilizar essa população que não está mobilizada, porque não está articulada. A população LGBT de favelas está descrente, pois não consegue enxergar espaços de debates importante onde se possa construir uma política pública, então a população trans favela se retira. Inclusive, por conta do descrédito relaciona a questão eleitoral, porque as pessoas vêm aqui prometem, ganham voto e depois não fazem nada em toda favela. Não há um centro de referência LGBT ou uma política de acesso à escola ou canais governamentais que podem ser implantados e não são feitos nas favelas. Cria-se muita roda de conversa, de participação, mas efetivamente nada é construído.
CDDHC: Como você enxerga o espaço de da audiência pública? Gilmara Cunha: Na audiência pública foi claro o descaso com a população LGBT de favelas. A secretária de Assistência Social disse que direitos temos, mas nós não podemos acessá-lo, porque foi isso que ela quis dizer no momento em que eu entrego uma carta com diversas demandas da população LGBT de favela, mas ela diz que não existia a demanda. Então, primeiramente o caminho de resistência é existir, se fortalecer para depois ocupar, porque quando nós nos sentimos seguras e as pessoas passarem a nos reconhecer como seres humanos, aí será possível ocupar espaços. É uma regressão. É muito triste e doloroso isso, mas é a verdade. Quando a gente tiver um olhar do indivíduo trans sem partir para a vitimização, quando formos vistos como qualquer outro ser humano que trabalhar, estudar, passa por problemas, aí teremos um avanço. Eu não tenho que me vitimar para sensibilizar o outro, esse alguém, para ser respeitado como sou. É por isso que você consegue avançar com a pauta gay, lésbica, bissexual, mas a da população trans não. Até os dados são invisibilizados.