RELATÓRIO DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA DA ALERJ | 2015 | 95
dias pela sociedade do espetáculo e essa imagem coincide com o retrato da vida em precariedade. Não é por acaso que as nossas cadeias estão cheias de negros e pobres. Os precarizados são também aqueles que não têm acesso positivo aos meios de comunicação, por isso suas condutas são mais facilmente destacadas pelos empresários morais de plantão.
Qualquer política pública de segurança, digna de um estado democrático de direito, deve partir do enfrentamento da desigualdade social se quiser romper com a lógica da militarização. A militarização não é causa da guerra, mas seu efeito. Uma resposta ao conflito de classes que já está presente na sociedade. A necessidade de cuidar dos consumidores fracassados propicia o uso bélico das forças públicas. O único modo de desmilitarizar as agências de criminalização é desmontando os mecanismos de reprodução da desigualdade.
Não é possível garantir direitos humanos num contexto de guerra. Tampouco promover a paz em meio à injustiça. A se acreditar nas lições de Norberto Bobbio, quando afirma que“ sem democracia não existem as condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos” 10, ampliar a democracia é a melhor estratégia de prevenção do crime. Democracia ampliada significa assumir a redução da desigualdade como princípio e finalidade. Se continuamos com dificuldades na composição civilizada dos nossos conflitos; se temos tido dificuldades na construção de uma cultura de paz, é porque precisamos avançar ainda mais no sentido da igualdade. Igualdade de todos perante a lei não basta. Igualdade meramente formal pode se constituir, inclusive, num modo( muito inteligente, aliás) de transformar a ideia de igualdade em submissão.
A violência brasileira é ancestral. Euclides da Cunha foi o primeiro a relacioná-la à exclusão. Se no final do século XIX matamos de uma só vez quase 30.000 sertanejos, hoje matamos o dobro. Apenas em 2014 morreram mais brasileiros e brasileiras que soldados norte-americanos em vinte anos de guerra do Vietnã. Foram registradas 58.487 mortes violentas; quase 50.000 estupros; se levarmos em consideração os estudos existentes sobre o tema, esse número deve representar 1 / 3 do total; ou seja, temos aproximadamente 150.000 estupros por ano no Brasil. As forças de segurança mataram um brasileiro a cada 3 horas. Por outro lado, morreram 398 policiais no mesmo período. Um policial por dia.
No estado do Rio de Janeiro o cenário não é menos kafkiano. Nos últimos vinte anos a média de policiais militares mortos em serviço tem girado em torno de 27 assassinatos por ano. 11 Foram mais de seiscentos policiais entre mortos e feridos nos últimos cinco anos. Uma tragédia humana, sob todos os pontos de vista. Uma tragédia que se amplia ao observarmos os indicadores das mortes provocadas pela intervenção policial: os chamados autos de resistência. Entre 2008 e outubro de 2015 a média anual foi a de 57 mortos por ano. Quase duas mortes por dia. E não é só: o total de pessoas presas impressiona igualmente. Apenas em outubro deste ano, as forças policiais do estado prenderam mais de 4200 pessoas.
Toda essa violência é uma tradução. Ilustra um mal de fundo. Os policiais mortos, as vítimas de homicídio e aquelas decorrentes das intervenções policiais, bem como os apri-
10. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 1.
11. Fonte: Estado-maior da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro.