Relatório anual da Comissão de Direitos Humanos da Alerj - 2014 | Page 25

Desmilitarização e segurança pública João Trajano Sento-Sé1 Em pesquisa realizada entre os anos de 2009 e 2010 com policiais militares do Rio de Janeiro, 77,9% dos praças, num universo de 2267 entrevistados, afirmaram ser favoráveis à desmilitarização da Polícia Militar. A mesma pergunta teve entre oficiais a resposta negativa de 66% entre 109 respondentes. Nesse mesmo universo de praças que são maciçamente favoráveis à desmilitarização, 59,6% consideraram que o mais importante para atuar em favelas é dominar técnicas de confronto armado. A mesma posição teve a adesão de menos da metade dos oficiais, vale dizer, 46% dos respondentes desse segmento. Num bloco qualitativo da mesma pesquisa, ambos os segmentos, praças e oficiais, julgaram muito importante a utilização de armas pesadas na rotina do trabalho policial. Embora restrita à corporação fluminense, é difícil imaginar que os resultados seriam muito diferentes em outros centros. As duas primeiras impressões frente à apresentação desses dados, escolhidos um tanto aleatoriamente entre tantos são: 1) existem na Polícia Militar do Rio de Janeiro ao menos duas corporações e a clivagem que as divide é o marco de entrada institucional; 2) há uma grande confusão quando o assunto é desmilitarização da polícia e o mesmo ator pode defender posturas contraditórias entre si. Ambas as impressões são corretas e ilustram bem uma das razões para termos avançado tão pouco na matéria. 1. Cientista político professor do Instituto de Ciências Sociais da UERJ e pesquisador do Laboratório de Análise da Violência. 24 A despeito dos anos em que o imperativo da desmilitarização da segurança pública está no debate público, os avanços são quase nulos. Os desdobramentos desse fracasso se traduzem de diferentes formas, encontrando sua expressão mais dramática nas taxas de letalidade dolosa que se perpe- tuam, ao longo dos anos, em patamares altíssimos. Pior ainda, se perpetuam com uma colaboração expressiva de óbitos perpetrados pelas agências de segurança cujo trabalho deveria ter por principal foco reduzi-las. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP, 2014), as polícias brasileiras foram responsáveis, entre 2009 e 2013, por nada menos do que 11197 mortes. Somente em 2013, as forças policiais provocaram em média no Brasil 6 mortes por dia. Por outro lado, nesse mesmo ano 490 policiais foram mortos, o que representa um número altíssimo. É preciso reconhecer que todos, policiais e população, estão perdendo com a perpetuação de modelos arcaicos e ineficazes, além de indefensáveis política e moralmente. Partir de um lugar comum talvez ajude na definição de um rumo a ser adotado. Suponhamos que todos os atores interessados aceitassem como ponto de partida de discussão o conteúdo da PEC 51, proposta de emenda constitucional encaminhada ao Senado e sujeita à apreciação do Legislativo Federal, que introduz um conjunto de mudanças e qualificações no tratamento do campo da segurança pública. Sabemos que há nessa proposta várias iniciativas e que todas, sem exceção, são sujeitas a polêmicas. Será que isso representa a impossibilidade de se estabelecer consensos em torno dela? O que há nessa proposta que poderia gerar alguns pontos de convergência que, ainda que precários, nos tire da inércia à que nos autocondenamos? Não é o caso de discutir aqui ponto a ponto. O documento é público e está disponível para quem quiser dele tomar ciência. A proposta aqui é divisar princípios orientadores que, para além da contenda militarização/