Relatório anual da Comissão de Direitos Humanos da Alerj - 2014 | Page 54

3.1. Racismo penal e a banalização da prisão provisória: “Ele sacou a arma, apontou pra mim e disse: ‘sou policial civil, cadê a bolsa, cadê a bolsa?’ Os carros passavam e falavam ‘vagabundo, vagabundo’. Eu falei que eles estavam enganados, que eles tinham pego o cara errado” Fala do jovem Vinicius Romão na Audiência Pública realizada pela CDDHC ALERJ no dia 13 de março de 2014. No dia 10 de fevereiro de 2014, Vinícius Romão foi parado pela polícia, logo depois de subir uma escada que dava acesso a um viaduto no Méier, bairro na Zona Norte do Município do Rio de Janeiro. Ele tinha acabado de sair do trabalho, em um shopping nessa região, e estava quase chegando em sua casa quando a polícia o abordou. Nesse mesmo instante, “Dona Dalva falou: ‘foi ele, foi ele’”. A partir daí o policial o rendeu e o mandou botar a mão para trás e deitar no chão. “Ele sacou a arma, apontou pra mim e disse: ‘sou policial civil, cadê a bolsa, cadê a bolsa?’ Os carros passavam e falavam ‘vagabundo, vagabundo’. Eu falei que eles estavam enganados, que eles tinham pego o cara errado. ‘Eu sou inocente, não vai ter arma comigo, não vai ter bolsa, não vai ter nada’”, disse Vinícius. Nesse momento a abordagem truculenta é seguida por erros sucessivos que iriam deixar Vinicius por mais de 16 dias preso no Complexo Penitenciário de Gericinó. O primeiro erro: flagrante sem embasamento legal, uma vez que ele não estava sendo perseguido, ao abordá-lo o policial já partiu da premissa de que ele era o autor do crime com base no testemunho de uma vítima que ainda estava nervosa, sob o efeito do ato violento que acabara de sofrer, e nenhum pertence foi encontrado no local. Segundo erro: reconhecimento às pressas, considerando que o código de processo pe- nal recomenda que o reconhecimento seja feito em uma sala com pessoas com características semelhantes àquelas da pessoa descrita, com a mesma roupa. Terceiro erro: cerceamento de defesa, pois, após ser detido, Vinícius foi levado à delegacia e só o deixaram fazer uma ligação no dia seguinte. Além disso, o mesmo foi interrogado pelo delegado quando já estava na cela, sem a presença de um advogado. Quarto erro: a prisão foi mantida sem elementos suficientes, uma vez que o Ministério Público Estadual manteve a privação da liberdade mesmo não havendo absolutamente nada que a justificasse. Há uma característica de Vinícius Romão que até então não foi exposta, trata-se de um jovem de 27 anos e negro, semelhante a outros diversos jovens e negros presos no Estado do Rio de Janeiro sem qualquer garantia do devido processo legal. Contudo, graças à mobilização de amigos e parentes de Vinícius, os erros do sistema penal puderam ser corrigidos, o que não acontece com muitos presos no Estado. A ação penal contra Vinícius Romão foi arquivada e a Corregedoria Interna da Polícia Civil abriu procedimento para apurar as irregularidades da prisão. A investigação vai avaliar a conduta do policial civil Waldemiro Antunes de Freitas Junior, da 11ª DP (Rocinha), que abordou Vinícius e apresentou a ocorrência à 25ª DP (Engenho Novo), e a do delegado de plantão William Lourenço Bezerra, responsável pelo equivocado flagrante. 53