RELATÓRIO FINAL DA SUBCOMISSÃO DA VERDADE NA DEMOCRACIA Resumo Executivo | Page 9

1. APRESENTAÇÃO Por que uma comissão da verdade na democracia? De maneira geral, os desfechos das ditaduras militares na América Latina, em meados da década de 1980, têm em comum o fim do milagre econômico, o aumento das desigualdades sociais, a desvalorização das moedas nacionais e a crise econômica provenien- te do crash do final da década de 1970. Tal conjuntura vez com que , apesar da grande e violenta repressão e do conseqüente esfacelamento das organizações de esquerda, a população voltasse às ruas exigindo o retorno dos direitos políti- cos e a garantia dos direitos sociais. Apesar disso, em regra, o continente latino-americano foi marcado por uma transição conduzida pelos próprios militares, que impuseram leis de autoanistia como condição essencial para o restabelecimento do Estado Democrático, im- pedindo a responsabilização dos agentes de Estado responsáveis por violações de direitos humanos. Esse panorama sofre uma reviravolta a partir da ratificação do Pacto de São José da Costa Rica – Convenção Americana de Direitos Humanos, nos anos de 1980, com o consequente reconhecimento da competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos É de suma importância destacar as condenações sofridas pelos Estados latino-americanos em razão da omissão em apurar, processar e punir os crimes cometidos nos períodos ditatoriais em processos julgados pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, forçando a adequação do direito na- cional à Convenção. Desta forma, a tendência observada no continente foi de instauração de uma Justiça de Transição tardia, proporcionando um reencontro com o passado, garantindo os direitos à verdade, à memória, reescrevendo a re- cente história latino-americana e fortalecendo o Estado Democrático de Direito. É importante ressaltar a atualidade da discussão acerca da garantia do direito à memória, não podendo ser compreendida como uma luta do passado, pelo passado, mas como uma demanda atual sobre fatos que ocorreram no passado, estendendo seus efeitos até o presente e, quiçá, ao futuro. Compreender que espécies de violações foi praticada pelo Estado no passado subsidia o questio- namento acerca da atual política de segurança pública, que continua matando, torturando e fazendo desaparecer pessoas, majoritariamente negras e pobres. A garantia do direito à memória e à verdade caracteriza-se, portanto, como uma tentativa de conclusão do processo de redemocratização do Brasil, enfrentando o racismo institucional nunca superado. Diante deste contexto, o que hoje se coloca como grande questão a ser respon- dida pelos movimentos sociais que discutem a violência de estado contemporâ- nea é: passados 30 anos da conclusão dos trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte, e reconhecendo que este processo foi conduzido pelas elites po- líticas e econômicas que deram sustentação ao regime ditatorial, como pode- mos nos contentar apenas com a revelação das violações de direitos humanos anteriores à Constituição de 1988 se a tortura, execuções e desaparecimentos forçados ainda encontram-se presentes e não são devidamente esclarecidos na atualidade brasileira? Para melhor compreendermos a questão acima, podemos citar a título de exem- plo o relatório final da Comissão Nacional da Verdade que recomendou ao Es- tado brasileiro a desmilitarização das instituições policiais. Segundo a CNV, a 9