RELATÓRIO FINAL DA SUBCOMISSÃO DA VERDADE NA DEMOCRACIA Resumo Executivo | Page 10
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existência de polícias militarizadas contribui para propagação de violências no
presente, perpetuando práticas autoritárias de agentes estatais. Estudos recen-
tes sobre o período da ditadura militar revelaram inúmeras características do
funcionamento do Estado naquele momento que, em muito, se assemelham a
esta estrutura policial criticada pelos movimentos sociais. Tais semelhanças tor-
naram-se mais evidentes com a repercussão dos trabalhos das diversas comis-
sões da verdade (nacional, estaduais, entre outras) que se criaram nos últimos
anos em todo o Brasil.
Neste sentido, reconhecida a herança autoritária presente no modelo de segu-
rança pública praticado no período democrático, faz-se necessária a reforma
de todo este modelo, a começar pela estrutura militarizada, sem deixarmos que
esta bandeira torne superficial a nossa compreensão das consequências que
este modelo hoje apresenta.
Ao analisarmos, no presente trabalho, as execuções sumárias, tortura e desa-
parecimentos forçados praticados no período após 1988, buscamos evidenciar
quais os desenhos institucionais e práticas autoritárias continuam presentes na
estrutura atual das agências da segurança pública. E, considerando a formação
escravocrata da sociedade brasileira, essas práticas autoritárias, associadas ao
racismo institucional, são capazes de promover verdadeiros massacres.
O discurso oficial de término da ditadura e redemocratização integral do Estado
brasileiro ao longo da década de 80, culminando na promulgação da Constitui-
ção em 1988, mascara o legado autoritário que nos acompanha. Poucas foram
as medidas posteriores à Constituição Federal de 1988 que enfrentaram tal le-
gado. Faltou compreender que uma sociedade democrática não se faz apenas
com eleições periódicas.
A sistematicidade da violência de Estado contra, principalmente, a população
pobre e negra evidencia que, passados 30 anos da redemocratização do Estado
brasileiro, revela o legado da ditadura - e de períodos históricos que se iniciam
com a escravização de negras e negros - que permanece nas estruturas po-
liciais e militares, e nas políticas criminais. Está claro que, para determinados
segmentos sociais, o estado de exceção nunca deixou de existir, permitindo que
se afirme haver em curso processos muito bem estruturados de repressão e cri-
minalização da pobreza e do povo negro em pleno regime democrático.
Em razão do decurso de tempo desde o término da ditadura militar e as inúmeras
violações de direitos humanos praticadas por agentes do Estado desde então,
quase nunca esclarecidas, acreditamos efetivas reformas institucionais só po-
derão ser de fato concretizadas caso haja um esforço do Estado em apurar e
responsabilizar a perpetuação das práticas autoritárias, promovendo desta for-
ma transformações efetivas nas políticas criminais levadas a cabo pelo Estado
brasileiro.