RELATÓRIO FINAL DA SUBCOMISSÃO DA VERDADE NA DEMOCRACIA Relatório Final Desaparecimento Forçado na Democ | Page 9

Os esforços para a localização do corpo ou para a formação de um robusto conjunto probatório são
essenciais, portanto, nos casos de desaparecimento forçado. Até porque mesmo os réus julgados e
presos, como no caso de Amarildo de Souza, não tem interesse, nem dever jurídico, de produzir
prova contra si, indicando o paradeiro o do corpo. Para as famílias, mesmo com a condenação, o
crime não foi elucidado já que o paradeiro do corpo nunca foi identificado.
A pesquisadora Letícia Ferreira (2011) realizou estudo etnográfico no antigo Setor de Descoberta de
Paradeiros da antiga Delegacia de Homicídios do Rio de Janeiro Centro/Capital e chegou a conclusão
de que a polícia ao ser informada do desaparecimento realiza a “construção de reputações”. Isso
faz com que o olhar recaia sobre a vida de vítima, culpabilizando-a pelo próprio infortúnio e
tornando a investigação irrelevante.
Trata-se, em regra, de manifestações do racismo estrutural 10 e institucional que determinam o
modo como a sociedade e as instituições reagem aos casos de desaparecimento.
A discriminação institucional possui também um aspecto sistêmico porque as atividades das
diferentes instituições sociais estão interligadas, suas atividades guardam uma relação de
interdependência. (…) Isso permite que os padrões de tratamento de grupos minoritários
se reproduzam nas interações e nas determinações entre essas instituições, fazendo com
que a discriminação adquira um caráter sistêmico porque caracteriza a forma como
diferentes instituições que compõem um sistema de interações sociais tratam membros de
certos grupos. 11
Se a vítima é um homem jovem de favela já desconfia-se a envolvimento com o tráfico 12 ; se trata-
se de mulher jovem deve ter fugido com o namorado. 13 Considerando que a maior parte da
população das favelas é de pessoas pretas (negras e pardas) 14 , é possível também atribuir ao
racismo institucional papel preponderante nessa “classificação de reputações apresentadas”. 15
Fábio Araújo, maior especialista no tema do desaparecimento forçado de pessoas na democracia
brasileira, ressalta:
10
O que é racismo estrutural. Silvio Almeida https://www.youtube.com/watch?v=PD4Ew5DIGrU
MOREIRA, Adilson José. O que É Discriminação? São Paulo: Casa do Direito/Justificando, 2017, pg. 134-6.
12
COSTA, Camilla.. 5 mapas e 4 gráficos que ilustram segregação racial no Rio de Janeiro Disponível em:
https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/11/151109_mapa_desigualdade_rio_cc
13
FERREIRA, Letícia Carvalho de Mesquita De problema de família a problema social: notas etnográficas sobre o
desaparecimento de pessoas no Brasil contemporâneo. Disponível em:
14
Em todo o relatório será utilizada a classificação do IBGE que une as pessoas negras e pardas na cor preta.
15
Segundo o IPEA, em termos de renda, entre 2005 e 2015, “é possível observar a manutenção da mesma ordem –
homens brancos, mulheres brancas, homens negros, mulheres negras – do maior para o menor rendimento ao longo
de toda a série histórica”. Disponível em:
http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/170306_retrato_das_desigualdades_de_genero_raca.pdf
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