Projeto Cápsula Aqueles que Abandonam Omelas | Ursula K. Le Guin | Page 15

e a jarra de água são enchidas com pressa, a porta é trancada, os olhos desaparecem. As pessoas à porta nunca dizem nada, mas a criança, que nem sempre viveu no depósito de ferramentas e consegue se lem- brar da luz do sol e da voz de sua mãe, às vezes fala. — Vou ser obediente — diz. — Por favor, me dei- xem sair. Vou ser obediente! As pessoas nunca respondem. A criança costuma- va gritar por ajuda à noite e chorar muito, mas agora só choraminga, “eee-hmm, eee-hmm”, e fala pouco e cada vez menos. Está tão magra que não tem panturri- lhas, a barriga é saliente; sobrevive com meia tigela de farinha de milho e gordura por dia. Está nua. Suas ná- degas e coxas são uma massa de feridas infectas, pois se senta sobre o próprio excremento o tempo todo. Todos sabem que a criança está lá, todos os habitan- tes de Omelas. Alguns foram vê-la, outros se contentam em saber que está lá. Todos sabem que tem de estar lá. Alguns entendem o porquê, alguns não, mas todos com- preendem que a própria felicidade, a beleza da cidade, a ternura de suas amizades, a saúde de suas crianças, a sabedoria de seus acadêmicos, a habilidade de seus ar- tífices, mesmo a abundância de suas colheitas e os ares agradáveis de seu céu dependem completamente da deplorável miséria daquela criança. 10