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pensar mundo unido coincidia com o sacerdócio — e do chamado para ser artista eram cada vez mais dolorosamente vividos como incompatíveis. A idéia de renunciar a um para escolher o outro era contra a natureza e não me parecia ser aquilo que Deus queria de mim. A adolescência foi, por essa razão, um tempo de fortes e profundos abalos, pois aquilo que eu sentia e entendia de minha identidade não me oferecia possibilidade de atuação. Não havia lugar para mim neste mundo dividido em duas partes antagônicas: a religiosa e a profana. Em pensamento, eu evocava, com certa amargura, outros tempos que eu julgava terem tornado possível a arte de um Fra Angélico ou a fé de um Michelângelo, os meus mais venerados modelos de então. O Belo Amor Na primavera de 1959, abatido por uma forte gripe, fiquei alguns dias sem poder sair do meu pequeno quarto de estudante no Quartier Latin, em Paris, e, não tendo telefone, não podia pedir ajuda. Tive de contentar-me em comer algumas magras reservas e engolir sobras de caixas de comprimidos. E foi então que, obrigado a ficar na cama, esculpi, em um pedaço de marfim, uma cabeça de mulher à qual dei o nome de Belo Amor. Transmiti, naquela pequena obra, as preocupações estéticas que, naquele mesmo período, sintetizara em uma página da qual restou apenas o rascunho. Transcrevo-a em sua ingenuidade juvenil: «Beleza: tipo de coincidência entre o espiritual e o material; harmonia; simetria entre o material e o espiritual ligados de maneira estável. Uma coisa bela é uma coisa em sintonia com o homem inteiro. É pouco provável que uma coisa bela tenha uma alma; todavia, possui um espírito: é a projeção do espírito do seu criador. A beleza da natureza é simplesmente devida à própria ordem desta natureza e à sua natureza em relação ao homem. Uma obra de arte tem, além disso, a personalidade do seu cria­ dor. Eis porque uma obra de arte deve ser a expressão do artista; caso contrário, será uma obra por puro acaso, segundo a opinião de alguém. Uma obra abstrata pode ser bela e harmoniosa, mas apenas em certa medida material, que se enquadra com a natureza e com o homem na sua matéria, mas não no seu espírito, porque o artista na verdade não colocou nela alguma coisa de si. Se déssemos 8