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Uma
visão de conjunto
A ideia de atividade econômica que nasce da visão que chamamos “civil” é a de uma aldeia “com mais de uma dimensão”. Não é apenas a sociedade
civil que se apoia na harmonia dos três princípios, mas também a própria atividade econômica não pode ser regulada unicamente pela “troca de equivalentes”, uma vez que, na própria atuação econômica, todos os três princípios são
postos em prática, ainda que de formas e em proporções diferentes. Como
já lembrava Émile Durkheim, num contrato, nem tudo é contratável. O próprio
mercado, para poder funcionar, precisa realmente não apenas da troca instrumental, mas também de alguma dose de gratuidade e de formas variadamente
articuladas de redistribuição de renda. Assim, ao lado da empresa multinacional capitalista, deve haver lugar para o ateliê do artesão, a cooperativa, a empresa social, as empresas da economia de comunhão, as empresas civis — realidades que, por simplesmente existirem, inserem no mercado a reciprocidade
não instrumental, o dom e a cooperação. Com sua ação, essas realidades reivindicam a possibilidade de um mercado plural, concebido e vivido como lugar
não só da eficiência, mas também das práticas de sociabilidade e, sobretudo,
de relacionalidade. Além disso, enquanto toda a teoria econômica tradicional
gira em torno das mercadorias, a visão da economia civil volta a atenção para
os bens (ou seja, as coisas boas), sobretudo para os bens mais frágeis, como os
bens relacionais.
Nas páginas a seguir veremos que a perspectiva da economia civil,
embora acolhendo a estrutura triádica de que falamos anteriormente, tem
como peculiaridade considerar o princípio do dom e o princípio do contrato
como derivados de outro princípio, mais primitivo, mais básico: o princípio da
reciprocidade. Em vista disso, essa perspectiva não considera o dom e o contrato como formas alternativas de regulação das relações humanas, mas duas
expressões diferentes, duas articulações diferentes do princípio da reciprocidade, que fundamenta a própria possibilidade da convivência civil. Falaremos
muito disso ao longo do livro, uma vez que esse elemento talvez seja a maior
novidade metodológica e teórica em relação ao modo dominante de fazer teoria econômica.
Nesse sentido, o livro, mesmo valendo-se da história das ideias e, de
modo descontínuo, da história econômica, é substancialmente uma obra que
olha para o presente, a partir de uma perspectiva antiga, para encontrar respostas convincentes às novas demandas da atual passagem de época.
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