A transformação da dor em luta, um modo de converter vítimas do estupro em sobreviventes
Karina Custódio Sousa
O estupro em nosso país acontece todos os dias. Aqui uma mulher é estuprada a cada 11 minutos segundo o Anuário brasileiro de Segurança Pública de 2016, e mesmo assim a violência sexual não é discutida da maneira que deveria. Quando se fala em estupro a tendência em nossa sociedade é inocentar o estuprador ou considerá-lo um monstro, tomado por algum tipo de demônio.
Esse imaginário, como explicita a pesquisadora de gênero Lia Zanotta no artigo “Masculinidade, sexualidade e estupro as construções da virilidade” advém de uma construção de masculinidade criada para o domínio do corpo feminino. Essas duas visões, como descreve Zanotta, em que o estuprador é inocentado ou classificado como um animal variam de acordo com o julgamento que é feito da vítima. Se ela puder se encaixar no estereótipo feminino de esposa e mãe o abusador será considerado um monstro irracional, mas caso essa mulher desvie do estereótipo feminino de alguma forma, a violência não é classificada como crime, mas sim como um simples ato sexual que foi aceito pela existência de uma mulher fora do padrão inocentando dessa forma o violentador.
A conversa sobre o tema costuma parar por aí, pois como expõe a geógrafa feminista Gleys dos Santos o abusador nunca é visto como um responsáve consciente do do abuso que cometeu, sendo classificado
no máximo classificado um ser irracional. Já a mulher, como a acrescenta Glays, que é uma das maiores vítimas dessa violência, vive com medo de ser estuprada, não só por conta da dor, mas também porque ao ter seu corpo “violado” é marcada socialmente como uma vítima que não tem possibilidade nenhuma de reabilitação.
Só que o estupro é muito mais do que um simples crime horrível no qual o criminoso é um monstro psicopata e a vítima uma pessoa destroçada e manchada pela agressão. O estupro esconde relações de poder entre estuprador e estuprada. Esconde que, como demonstra Gleys, quem estupra não é um psicopata, mas sim um homem criado por um mundo machista e quem é estuprada não é uma vítima que teve seu corpo maculado e portanto inutilizado, mas sim uma sobrevivente que tem um caminho de superação e conquista pela frente.
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Gleys dos Santos doutora em geografia e pesquisadora de gênero.