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Por vezes digo:-- " Eu também estou aqui!". E respondem-me:
-- " Mas já não és só tu. Há outra criança, tens que aprender a partilhar.”
De início não é fácil partilhar o amor dos meus pais. Queria que me mimassem tanto como anteriormente.
Sinto-me bem com as outras crianças surdas. Na escola tento ensinar-lhes a minha nova língua, mas é proibido. Estamos numa classe oralista, é pois no recreio que consigo praticar os gestos. Tento dizer aos meus colegas que " papá " e " mamã ", não se dizem como na ortofonia, mas sim por gestos. Aparentemente não ligam nenhuma. Acham um disparate o que eu lhes digo.
Aquelas crianças têm a minha idade, mas para eles dizer papá em código ou papá em gestos não muda nada. Enquanto comigo houve uma reviravolta. Ainda não está muito definida, mas de facto estou diferente. Deu-se em mim uma pequena revolução que muito gostaria de partilhar com eles. Revolucionar os surdos à minha volta, abrir-lhes o mundo como fizeram comigo. Dar-lhes a possibilidade de se exprimirem livremente, de fazer com as mãos, como diz Alfredo Corrado, " flores no espaço” Começo a gestualizar bem. Entre os cursos do IVT e a classe de inserção faço bastantes progressos. Mais no IVT do que na escola, onde continuam a ensinar-me que três carrinhos mais um carrinho fazem quatro; a escrever até ao infinito AA e BB; a ler nos lábios; a matar-me a repetir milhares de vezes a mesma sílaba com a ortofonista. Creio que os adultos que ouvem e que privam os filhos da língua gestual nunca conseguirão compreender o que se passa na cabeça de uma criança surda. Há a solidão e a resistência, a sede de comunicar e por vezes a ira.
A exclusão na família, em casa, onde toda a gente fala sem sepreocupar connosco. Porque é preciso perguntar todo o tempo, puxar alguém pela manga ou pelo vestido para saber um pouco,
um bocadinho, do que se passa à nossa volta. Senão, a vida não é mais do que um filme mudo, sem legendas.
Eu tive a sorte de ter estes pais. Um pai que se precipitou para Vincennes para aprender a mesma língua que eu, e uma mãe que o