O queijo de coalho em Pernambuco: histórias e memórias | Page 24

22 O QUEIJO DE COALHO EM PERNAMBUCO: HISTÓRIAS E MEMÓRIAS Vamos aqui relatar depoimentos que trazem experiências de pessoas produtoras de queijo de coalho, que remontam há mais de cem anos ao seu fazer, como também ao seu aprender. O município de Capoeiras, distante da cidade de Garanhuns aproximadamente trinta quilômetros, tem apresentado mudanças na atividade da pecuária, produção e comércio do queijo, na visão de Manoel dos Santos, produtor de queijo de coalho e responsável pelo depoimento que abre este texto. Ele fala, principalmente, da organização do fazer, comparando com a situação de sua infância. Contudo, existe a permanência em sua oralidade ao falar do soro animal, muito utilizado na época, e da forma que se preserva, ainda com a madeira. Lembra da alternativa do queijo redondo e do local de fabrico, externo à casa. Todos participavam daquela produção nitidamente familiar. E, ainda, trata da coloração do queijo e da influência do sal sobre as mudanças da sua cor Eu sou José Belizário da Silva. Nasci em 10 de outubro de 1919. Como aprendi a fazer queijo de coalho? Os meus pais faziam em São Domingos, Buíque. Minha mãe era de Pedra, morreu com 115 anos. Para fazer o queijo, o leite era puro, puro. Queijo bom. Eu fazia queijo com as mãos, espremendo com as mãos. O coalho era de gado ou de bode. As formas eram de madeira: quina-quina ou cedro amarelo. Num tacho de barro, eu pasteurizava a coalhada. Para vender o queijo era em Arcoverde, pois eu entregava nas bodegas e no mercado de farinha. Para isso, eu fazia diariamente e ia juntando. Quando queria fazer forma redonda, pegava folha de pau mole e arredondava. Se quisesse aumentar o leite, no Sertão, com o gado de leite no cercado, tínhamos que lhes dar farelo e caroço de algodão, pela manhã, após a ordenha. À tarde, já se usava a palma. Assim, o leite aumentava. É bom... (Relato de José Belizario da Silva, em 08 de março de 2006, em Buique-PE)2. Por sua vez, no segundo relato, o depoente José Belizário da Silva consegue, em poucas palavras, falar do leite utilizado, de sua qualidade e do complemento da ração diária. Trata do coalho natural, da forma de madeira e do seu estilo. Insere, em sua fala, o comércio no entorno do lugar que se produzia queijo, a variedade de locais de venda. Relata que desenvolveu habilidades para trabalhar até mesmo as formas, para adquirir outros formatos. Assim, pode-se observar como o produtor de queijo é múltiplo em suas habilidades, ações e produções, com o exercício de sua criatividade, conseguindo grandes transformações, incluindo a alimentação na dinâmica de sua existência. Neste sentido, Carlos Roberto Antunes dos Santos3 nos diz que: O alimento se constitui uma categoria histórica, pois os padrões de permanência e mudanças dos hábitos e práticas alimentares têm referência na própria dinâmica social. Os ali-