O queijo de coalho em Pernambuco: histórias e memórias | Page 24
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O QUEIJO DE COALHO EM PERNAMBUCO: HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
Vamos aqui relatar depoimentos
que trazem experiências de pessoas produtoras de queijo de coalho, que remontam há mais de cem anos ao seu fazer,
como também ao seu aprender. O município de Capoeiras, distante da cidade
de Garanhuns aproximadamente trinta
quilômetros, tem apresentado mudanças na atividade da pecuária, produção
e comércio do queijo, na visão de Manoel dos Santos, produtor de queijo de
coalho e responsável pelo depoimento
que abre este texto. Ele fala, principalmente, da organização do fazer, comparando com a situação de sua infância.
Contudo, existe a permanência em sua
oralidade ao falar do soro animal, muito utilizado na época, e da forma que se
preserva, ainda com a madeira. Lembra
da alternativa do queijo redondo e do
local de fabrico, externo à casa. Todos
participavam daquela produção nitidamente familiar. E, ainda, trata da coloração do queijo e da influência do sal
sobre as mudanças da sua cor
Eu sou José Belizário da Silva.
Nasci em 10 de outubro de 1919.
Como aprendi a fazer queijo de
coalho? Os meus pais faziam em
São Domingos, Buíque. Minha
mãe era de Pedra, morreu com 115
anos. Para fazer o queijo, o leite
era puro, puro. Queijo bom. Eu fazia queijo com as mãos, espremendo com as mãos. O coalho era de
gado ou de bode. As formas eram
de madeira: quina-quina ou cedro
amarelo. Num tacho de barro, eu
pasteurizava a coalhada. Para
vender o queijo era em Arcoverde,
pois eu entregava nas bodegas e
no mercado de farinha. Para isso,
eu fazia diariamente e ia juntando. Quando queria fazer forma redonda, pegava folha de pau mole e
arredondava. Se quisesse aumentar
o leite, no Sertão, com o gado de
leite no cercado, tínhamos que lhes
dar farelo e caroço de algodão, pela
manhã, após a ordenha. À tarde, já
se usava a palma. Assim, o leite aumentava. É bom... (Relato de José
Belizario da Silva, em 08 de março
de 2006, em Buique-PE)2.
Por sua vez, no segundo relato, o
depoente José Belizário da Silva consegue, em poucas palavras, falar do leite
utilizado, de sua qualidade e do complemento da ração diária. Trata do coalho
natural, da forma de madeira e do seu
estilo. Insere, em sua fala, o comércio no
entorno do lugar que se produzia queijo, a variedade de locais de venda. Relata que desenvolveu habilidades para
trabalhar até mesmo as formas, para
adquirir outros formatos. Assim, pode-se observar como o produtor de queijo
é múltiplo em suas habilidades, ações e
produções, com o exercício de sua criatividade, conseguindo grandes transformações, incluindo a alimentação na dinâmica de sua existência. Neste sentido,
Carlos Roberto Antunes dos Santos3 nos
diz que:
O alimento se constitui uma categoria histórica, pois os padrões de permanência e mudanças dos hábitos e
práticas alimentares têm referência
na própria dinâmica social. Os ali-