O Pinhão - Dezembro/2018 Pinhao dezembro2 | Page 13

zes se tomara a decisão correta. Era tudo muito improvisado, não havia um consultório médico - atendemos um dia em um pátio e nos outros dois numa sala de igreja - e tínhamos que revezar a única maca exis- tente. Me perguntei: Será que re- almente vou poder ajudar essas pessoas atendendo nessas con- dições? Até que veio o primeiro pacien- te: Sr. J.M., 48 anos. Queixa prin- cipal: “Dor nos pés”. Me contou que era mecânico na Venezuela e passava o dia todo caminhan- do em busca de um trabalho, mas não conseguira nada, e agora seus pés doíam muito e não conse- guia mais caminhar tão bem. Sentia vergonha de depender da caridade alheia, pois sempre fora muito trabalhador,) mas não teve outra opção senão vir ao Brasil, foi puro desespero. Devido à inflação, o salário já não era suficiente para comprar comida para todo o mês em seu país, e sua família já estava passando fome. Alguns dias, a única refeição era mandioca, e se alguém precisasse de medicamento, a família toda não comia por um ou dois dias, pois ou comprava remédio ou a comida. Não teve outra opção: vendeu tudo que tinha dentro de casa, fechou a porta e veio para o Brasil com a família, caminhando 7 dias na estrada, sem olhar pra trás. Quando fui examiná-lo, percebi que tinha um chinelo diferente em cada pé, ambos muito gastos, quase na espessura de uma folha de papel, e os pés estavam cheios de fissuras. Meus olhos se encheram d’água. Pedi licença e retornei com o único sapato que encontrei para doação e que eram do seu número, além de amostras de Bepan- tol. O sorriso ao ver aquele sapato me co- moveu uma segunda vez. Respirei fundo e pensei: Entendi o que estou fazendo aqui!