O joo do anjo Carlos Ruíz Zafón - O Jogo do Anjo | Page 24

PDL – P ROJETO D EMOCRATIZAÇÃO DA L EITURA 3 Naquela época, a Rua Nou de la Rambla exibia um corredor de lampiões e cartazes luminosos que cruzava a escuridão do Raval. Cabarés, salões de baile e locais de difícil denominação acotovelavam-se em ambas as calçadas com casas especializadas em males venéreos, camisinhas e lavagens, que ficavam abertas até o amanhecer, enquanto gente de toda laia, desde filhinhos de papai de certa posição até membros das tripulações dos navios atracados no porto, misturava-se com todo tipo de personagens extravagantes que viviam para a noite. Dos dois lados da Rua, abriam-se vielas estreitas, sufocadas pela névoa, que abrigavam um rosário de prostíbulos com preços decrescentes. El Ensueño ocupava o andar superior de um edifício que, no primeiro andar, hospedava uma sala de music hall, onde dois grandes cartazes anunciavam o show de uma bailarina enfiada numa fantasia diáfana e sucinta que não fazia segredo de seus encantos, sustentando nos braços uma serpente negra, cuja língua bifurcada parecia beijar seus lábios. Eva Montenegro e o tango da morte — rezava o cartaz em letras de forma. — A rainha da noite em seis apresentações exclusivas e improrrogáveis. Com a participação estelar de Mesmero, o leitor de mentes que revelará seus mais íntimos segredos. Junto à entrada havia uma portinha estreita que dava para uma longa escadaria com as paredes pintadas de vermelho. Subi as escadas e dei de cara com uma grande porta de carvalho lavrado, cuja aldrava tinha a forma de uma ninfa forjada em bronze, com um modesto trevo sobre o púbis. Bati um par de vezes e esperei, fugindo de meu reflexo no grande espelho escuro que cobria boa parte da parede. Estava considerando a possibilidade de escapar dali, quando a porta se abriu e uma mulher de meia-idade e cabelos completamente brancos, delicadamente presos num coque, sorriu para mim serenamente. — Você deve ser o Sr. David Martín. Ninguém nunca tinha me chamado de senhor em toda a minha vida e a formalidade me pegou de surpresa. — Ele mesmo. — Faça a gentileza de entrar e me acompanhar. Seguimos por um breve corredor que conduzia a uma ampla sala circular de paredes revestidas de veludo e lâmpadas à meia-luz. O teto formava uma cúpula de cristal