O imprevisível 2018 PD49 | Page 139

seus membros podia tornar-se essa sublime e importantíssima encarnação viva do ideal , desde que fizesse parte do movimento . Assim ninguém mais precisaria ser leal ou generoso e corajoso – pois automaticamente seria a própria encarnação da Lealdade , Generosidade e Coragem ”. Esse foi um desdobramento feito pela ralé da concepção de Hegel e Marx , segundo a qual as ideias não podem estar encarnadas em seres humanos , mas estão no processo histórico do movimento dialético .
A perda do indivíduo compromete a pluralidade , o que esvazia a esfera política . A pluralidade se faz na rede de relações entre indivíduos que se afirmam em sua liberdade no mundo . Segundo Arendt , na filosofia moderna os homens foram arremessados para dentro de si mesmos , perdendo o contato com a esfera em que se dá o exercício dessa liberdade , ou seja , o homem foi posto fora do mundo , fora da ação , da política : “ O que distingue a era moderna é a alienação em relação ao mundo e não , como pensava Marx , a alienação em relação ao ego ”. ( CH , p . 266 ).
Mesmo que na obra do jovem Marx a alienação em relação ao mundo seja indicada , sua obra permaneceu apoiada no extremo subjetivismo da era moderna . A alienação em relação ao ego , contudo , é a acusação original de Marx contra a sociedade capitalista , segundo a qual o trabalhador lida com o produto do seu trabalho como se este lhe fosse alheio . Porém , Marx interpreta essa alienação como o próprio processo do labor , correspondente à concepção cíclica do tempo próprio da natureza , um processo biológico , “ a eterna necessidade natural de efetuar o metabolismo entre o homem e a natureza ” ( CH , n . 34 , p . 110 ). A designação deste trabalho como processo biológico é chamado de “ labor ” por Arendt . Em A condição humana , ela classifica as atividades do homem , a vita activa : o labor , que corresponde ao processo biológico , à necessidade ; o trabalho , o artificialismo da mundanidade , o que permanece ; e a ação , a pluralidade da vida pública . Um equívoco de Marx foi reduzir o trabalho ao mero labor e , com os economistas clássicos liberais , abraçar a ideia de que política é apenas uma função da sociedade . O homem socializado ( científico ) no sistema econômico de Marx , observa Arendt , é “ ainda menos ativo que o ‘ homem econômico ’ da economia liberal ” ( CH , n . 34 , p . 52 ). Restrito à força de seu labor , ao processamento de sua força como a repetição de sua necessidade biológica , como consumo , o homem vê afundar a possibilidade de sua ação .
A interpretação de Karl Marx por Hannah Arendt
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