O imprevisível 2018 PD49 | Page 140

Ao perceber a importância do labor – o fato de Marx ter sido o único pensador do século 19 que considerou seriamente, em termos filosóficos, o labor como o fator de transformação do mundo moderno –, Arendt escolheu compreendê-lo dentro da esfera das atividades fundamentais do homem. Essa amplitude se deve ao entendimento de que a obra de Marx só pode ser um exame do pensamento da tradição na medida em que é aplicado ao mundo moderno que data da revolução industrial e das revolu- ções políticas do fim do século XVIII. Como desafio a esse mundo herdado, e também em oposição à ideia do labor como atividade não humana, já que própria da necessidade, a teoria e a filosofia de Marx se estabeleceram, de acordo com Arendt, em três pilares: 1. O labor é o Criador do Homem; 2. Violência é a parteira da História; 3. Os filósofos interpretaram o mundo por muito tempo; agora chegou o momento de mudá-lo. Os três pilares contêm contradições fundamentais. O labor e a violência pressupõem coerção, mas Marx insiste na ideia de liberdade. O labor é um processo natural da necessidade, do consumo, em que o produto do esforço rapidamente desaparece exigindo outro no lugar, numa sequência sem fim. Portanto, há um desafio às ideias tradicionais de Deus como criador, de labor como uma atividade dos animais, e da glorificação da razão que é a negação da necessidade. A violência é o impulso, a abolição do discurso que é compreendido como ideologia. Ela é tradicional- mente associada à tirania. Se a história se faz apenas pela violên- cia, a ação política, portanto, deve ser compreendida «tanto como a preparação de violência futura quanto como consequências de violência do passado, se não como ação violenta direta» Quanto ao terceiro pilar, devemos lembrar que na tradição, a filosofia pode indicar certas regras de ação, mas jamais se transforma nela. Como esclarece Jerome Kohn na introdução de A promessa da política, Arendt planejava escrever um livro sobre Marx, mas abandonou esse projeto inicial e escreveu A condição humana. Nesse contexto, o livro pode ser compreendido como uma resposta a Marx, à relevância e às limitações de sua obra, ao significado de sua insistência nos problemas – nas perplexidades – do Labor e da História. O revolucionário havia compreendido o que de mais instigante a era moderna nos legou, a inversão de todas as tradi- ções – a posição tradicional da ação e da contemplação e, dentro da vita activa, a glorificação do labor como fonte dos valores e substituição do animal rationale pelo animal laborans (CH, p. 96). 138 Adriana Novaes