Ao perceber a importância do labor – o fato de Marx ter sido o
único pensador do século 19 que considerou seriamente, em
termos filosóficos, o labor como o fator de transformação do
mundo moderno –, Arendt escolheu compreendê-lo dentro da
esfera das atividades fundamentais do homem. Essa amplitude se
deve ao entendimento de que a obra de Marx só pode ser um
exame do pensamento da tradição na medida em que é aplicado
ao mundo moderno que data da revolução industrial e das revolu-
ções políticas do fim do século XVIII. Como desafio a esse mundo
herdado, e também em oposição à ideia do labor como atividade
não humana, já que própria da necessidade, a teoria e a filosofia
de Marx se estabeleceram, de acordo com Arendt, em três pilares:
1. O labor é o Criador do Homem; 2. Violência é a parteira da
História; 3. Os filósofos interpretaram o mundo por muito tempo;
agora chegou o momento de mudá-lo.
Os três pilares contêm contradições fundamentais. O labor
e a violência pressupõem coerção, mas Marx insiste na ideia de
liberdade. O labor é um processo natural da necessidade, do
consumo, em que o produto do esforço rapidamente desaparece
exigindo outro no lugar, numa sequência sem fim. Portanto, há
um desafio às ideias tradicionais de Deus como criador, de labor
como uma atividade dos animais, e da glorificação da razão que é
a negação da necessidade. A violência é o impulso, a abolição do
discurso que é compreendido como ideologia. Ela é tradicional-
mente associada à tirania. Se a história se faz apenas pela violên-
cia, a ação política, portanto, deve ser compreendida «tanto como
a preparação de violência futura quanto como consequências de
violência do passado, se não como ação violenta direta» Quanto ao
terceiro pilar, devemos lembrar que na tradição, a filosofia pode
indicar certas regras de ação, mas jamais se transforma nela.
Como esclarece Jerome Kohn na introdução de A promessa da
política, Arendt planejava escrever um livro sobre Marx, mas
abandonou esse projeto inicial e escreveu A condição humana.
Nesse contexto, o livro pode ser compreendido como uma resposta
a Marx, à relevância e às limitações de sua obra, ao significado de
sua insistência nos problemas – nas perplexidades – do Labor e
da História. O revolucionário havia compreendido o que de mais
instigante a era moderna nos legou, a inversão de todas as tradi-
ções – a posição tradicional da ação e da contemplação e, dentro
da vita activa, a glorificação do labor como fonte dos valores e
substituição do animal rationale pelo animal laborans (CH, p. 96).
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Adriana Novaes