10. A personalidade democrática, para não sofisticar muito usando o conceito de sujeito da filosofia ou da psicanálise, é necessariamente aberta a conviver com as incertezas, quer sejam ideológicas ou religiosas. Uma abertura ao outro em nome da tolerância. Aí reside um grande impasse, uma vez que o sujeito diante das suas fragilidades se apega, como forma de dar suporte à sua existência, às certezas da fé e das ideologias. É a certeza cega das minhas convicções que me impede de ver meus defeitos ou aceitar a necessária crítica do outro que pensa e vê o mundo diferente de mim. Considerando que a instância celular de uma nação é o cidadão e sua prática política, podemos dimensionar o enorme desafio que o Brasil tem pela frente.
11. Uma última reflexão é sobre o questionamento que alguns cientistas políticos vêm fazendo, se as nossas instituições estão funcionando normalmente, ou seja, suspeitando que a nossa democracia é ainda uma semidemocracia. Ora, essa é uma pergunta inadequada. Pois, como processo e não como um fim em si mesmo, um Estado democrático é algo em permanente evolução dinâmica, podendo até mesmo involuir, dependendo das ameaças internas e externas, bastando-nos compreender que, sim, vivemos um ambiente democrático, desde o fim da transição do regime autoritário de 1964, porém um processo democrático possível, dadas as nossas variáveis históricas e de cultura política. O mais estranho, e aí me volto para o cidadão aturdido com o desnudamento de uma prática atávica de corrupção da nossa elite política e econômica com a Operação Lava-Jato e outras, é que, ao invés de ver nisso um passo importante de depuração do processo político rumo a uma nação democrática moderna e eficaz, busque-se, numa relação infantilizada entre eleitor e representantes políticos, líderes de pés-de-barro, com pouca consistência programática, mas com histéricos discursos manipuladores.
Lições de democracia
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