O Cavaleiro de São João O Cavaleiro 35 | Page 36

Ano XV | Edição 35 | 36

A LENDA DO PELICANO

Conta uma lenda medieval que um pelicano saiu de seu ninho em busca de comida para os seus recém- -nascidos filhotes . Não notou que por perto se escondia um predador , só esperando a sua ausência para atacar o ninho .

Mal o pelicano desapareceu no horizonte , o danado atacou os coitadinhos , que ainda não tinham aprendido a voar e nem a se defender .
O predador devorou a todos , só deixando como sobra as pequeninas ossadas com as penas que mal começavam a despontar .
Quando o pelicano voltou ao ninho viu a tragédia que ocorrera . Atirando-se sobre os corpos dos filhos chorou horas e horas , até que suas lágrimas secaram .
Sem mais lágrimas para chorar pelos filhos mortos , começou a bicar o próprio peito , fazendo verter sobre o corpo dos pequeninos o sangue que jorrava dos ferimentos que ele mesmo provocara com aquela mutilação .
No seu desespero não percebeu que as gotas do seu sangue , pouco a pouco iam reconstituindo a vida dos seus filhos mortos . E assim , com o sangue do seu sacrifício e as provas do seu amor , a sua família ressuscitara .
SÍMBOLO DE AMOR E SACRIFÍCIO
Provavelmente foi a partir dessa lenda que o pelicano se tornou um símbolo de amor e sacrifício . Durante a Idade Média eram vários os contos e tradições em que esse pássaro aparecia como representação da piedade , do sacrifício e da dedicação á família e ao grupo ao qual se pertencia . Essa terá sido também , a razão de os cátaros , os rosa-cruzes , os alquimistas e outros grupos de orientação mística o terem adotado em suas simbologias .
Para os alquimistas o pelicano era um símbolo da regeneração . Alguns operadores alquímicos chegaram inclusive a fabricar seus atanores – vasos em que concentravam a matéria prima da Obra – com capitéis que imitavam um pelicano com suas asas abertas . Tratava-se de captar , pela imitação iconográfica , a mesma mágica operatória que a ave possuía , ou seja , aquela capaz de regenerar , com seu próprio sangue , os filhotes mortos .
Os rosa-cruzes em sua origem , em sua maioria eram alquimistas . Daí o fato de terem adotado o pelicano como símbolo da capacidade de regeneração química da
matéria não é estranho . E é compreensível também que em suas imaginosas alegorias eles tenham associado essa simbologia com aquela referente ao sacrifício de Cristo , cujo sangue derramado sobre a cruz era tido como instrumento de regeneração dos espíritos , medida essa , necessária para a salvação da humanidade . Daí o pelicano tornar-se também um símbolo cristão , representativo das virtudes retificadoras do cristianismo , da mesma forma que a rosa mística e a fênix que renasce das cinzas .
OS CÁTAROS
Porém , quem mais contribuiu para que o pelicano se tornasse um símbolo místico por excelência foram os cátaros . Os sacerdotes dessa seita , que entre os séculos XI e XII se tornaram os principais opositores da Igreja Católica na Europa , chamavam a si mesmos de “ popelicans ”, termo de gíria francesa formado pela contração da palavra pope ( papa ) com pelican ( pelicano ). Significa , literalmente , “ pais pelicanos ”, numa contra facção com os sacerdotes da Igreja Católica que eram considerados os predadores da lenda ( no caso uma serpente , como conta Leonardo da Vinci em sua versão da lenda .
De certa forma , os cátaros , com suas tradições místicas e iniciáticas , se tornaram irmãos espirituais dos templários e antecessores dos rosa-cruzes e dos maçons . Condenados pela Igreja Romana por suas idéias e práticas heréticas , eles foram exterminados numa violenta cruzada contra eles movida pela Igreja em meados do século XIII .
Os cátaros chamavam a si mesmos de filhos nascidos do sacrifício de Jesus . Eles diziam possuir o verdadeiro segredo da vida , paixão e morte de Jesus , que para eles não havia ocorrido da forma como os Evangelhos canônicos divulgavam . Na verdade , eles não acreditavam na divindade de Jesus nem na sua ressurreição , mas tomavam tudo como uma grande alegoria na qual a prática do
exemplo de Cristo era a verdadeira medicina da ressurreição . E dessa forma eles a praticavam , sacrificando a si mesmos em prol da coletividade a qual serviam . Dai serem eles mesmos “ popelicans .
O CAVALEIRO DO PELICANO
A Maçonaria adotou a lenda do pelicano por influência das tradições rosa-cruzes que o seu ritual incorporou . Por isso é que encontraremos , no grau 18 , grau rosa-cruz por excelência , o pelicano como um dos seus símbolos fundamentais . O próprio título designativo desse grau é o de Cavaleiro do Pelicano ou Cavaleiro Rosa-Cruz .
O Simbolismo do pelicano é uma alegoria que integra , ao mesmo tempo , a beleza poética da lenda , o apelo emocional do mistério alquímico e o romanticismo do sacrifício feito em nome do amor . Tanto o Cristo quanto a natureza amorosa vertem seu sangue para que seus filhos possam sobreviver . José de Alencar , grande expressão do romanticismo brasileiro utilizou esse tema em um de seus mais conhecidos trabalhos , o poema épico Iracema . Nesse singelo poema a índia Iracema , sem leite em seus seios para alimentar Moacir , o filho dos seus amores com o português Martim , rasga o próprio seio e o alimenta com seu sangue . Assim , o filho da aborígene com o colonizador torna-se o protótipo do homem que iria povoar o novo mundo , a “ nova utopia ”, a civilização renascida , fruto da interação da velha com a nova civilização . Seriam esses “ filhos renascidos ” do sacrifício da sua mãe que iriam , na visão do escritor cearense , mostrar ao mundo uma nova forma de viver .
Tudo bem maçônico . A propósito , José de Alencar também era maçom
João Anatalino – do livro CONHECENDO A ARTE REAL
( Material enviado pelo CCar .’. Ir .’. Paulo Mariano – Or .’. de Londrina PR )