Revista Internacional em Língua Portuguesa n º 28 / 29
Sob o tema Rotas e Mercadores, esta publicação contou com a participação da Professora Júnia Ferreira Furtado da UFMG, enquanto editora científica
Publicação distribuída a todas as instituições de ensino superior dos países de língua oficial portuguesa e Macau, RAEM- China, membros da AULP.
Apartir do início do século XV, Portugal voltou-se para o vasto oceano Atlântico que, desde sempre, banhara suas costas, e deu início a um empreendimento marítimo, de caráter estatal-privado, cujos alcances foram cada vez mais amplos. A cronologia desse avanço se estende por vários séculos e sua geografia é por demais conhecida: Entre tantos outros, Madeira, Canárias, Açores, Cabo Branco, Cabo Verde, Cabo Bojador, Cabo da Boa Esperança, Índia, Brasil, Timor, Molucas, China, Japão foram locais onde aportaram, pela primeira vez, as caravelas dos portugueses.
Durante esse longo processo, este pequeno país revelou outros mundos, outros povos, outros produtos e outros saberes, todos denominados“ novos”, por serem até então relativamente ou absolutamente desconhecidos dos europeus. Mas, à medida que o empreendimento avançava, Portugal estabelecia entrepostos, feitorias, conquistas e colônias que, ao se estenderem pelas quatro partes do globo, acabaram por se entrelaçar numa rede de intercâmbio que adquiriu contornos mundiais. Oceanos e mares que, até então, haviam separado a Europa dos demais continentes, tornaram-se, a partir daí, espaços privilegiados de contato, de trânsito e de interação entre esses espaços distantes. Nesse processo, os portugueses que haviam sido pioneiros, permaneceram, nos séculos que se seguiram, sendo seus principais atores. Essa empreitada envolveu inúmeros agentes oriundos dos mais diversos estratos sociais, entre nobres, mercadores, oficiais mecânicos e escravos, os quais eram empregados nas mais diversas funções e atuavam conectando os distintos pontos dispostos ao longo das rotas comerciais que se estabeleceram na sequência das conquistas portuguesas de além-mar.
O tema desse dossiê versa exatamente sobre algumas dessas rotas que os portugueses estabeleceram e consolidaram ao longo desse processo de expansão marítima. Não se trata apenas de abordar as rotas comerciais em si, as quais permitiram fazer chegar à Europa as desejadas especiarias e mercadorias tropicais- entre tantas outras, o sândalo, o açúcar, o cacau e o azeite de baleia – o que, no entanto, é o ponto de partida dos diversos artigos. Trata-se também de revelar o trânsito nessas rotas para além das mercadorias comercializadas como o de pessoas, de objetos, de práticas e de saberes, sendo que os navios portugueses, à medida que cruzavam as águas oceânicas, se tornavam dessa maneira verdadeiras caravelas de cultura.
Nesse contexto, a escravidão, reinstituída segundo uma nova lógica, o escravismo moderno, foi experiência ímpar, que provocou uma transumância forçada nunca antes vista na história da humanidade. A rota dos escravos impactou tanto as comunidades africanas de origem, de onde homens e mulheres eram continuamente arrancados no intuito de alimentar o tráfico negreiro, quanto as comunidades onde esses eram submetidos ao cativeiro, especialmente as Américas, a Europa, e as ilhas atlânticas. Portanto, interessa perscrutar não só os agentes – marinheiros, mercadores portugueses ou estrangeiros, reis e rainhas africanas, agricultores, como abordado em vários artigos,- envolvidos no comércio transatlântico, inclusive o negreiro, quanto os próprios cativos e também as sociedades onde eles foram escravizados, as quais também foram fortemente impactadas por esse processo.
Interessa ainda abordar a geografia dessa expansão. E, nesse caso, procurou-se estabelecer um diálogo em duas
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