My first Magazine Revista Sarau Subúrbio ed 02 | Page 47

O J O G O D E G U D E O mundo nas mãos, a bola de gude. O olhar ameaçador desempenha um fato que não se repetirá. O suor escorrendo na testa, os cabelos retos, parados, não há movimento. Onde pode faz acrobacia das pernas, tamanha que as cãibras teimam nos joelhos, nos cotovelos, na nuca. Olho fechado só o esquerdo e na boca uma secura que não é só a saliva, a sede, a nervura é também. O olho direito arreganhado o mais que pode, quer o foco com o olho direito, sua visão da sorte procurando em algum ponto do espaço, entre o triângulo desenhado no chão, o conjunto de bolas brilhantes e os ventos soprantes: a perfeita medida, o melhor ângulo, a força precisa e desenha tudo na memória, um filme. Os ombros na primeira cena titubeiam. Tenta outra sorte. Pede favor ao seu orixá criança. Diz que será melhor na escola, diz que lavará o quintal pra mãe, promete muito mesmo. Será um filho perfeito e tudo isso, caso não consiga, tentará ao menos Os dedos coçam a mão molhada e se faz uma previsão como que um sinal espiritual lhe sorrisse: ritualística metafísica que o levanta de ser um alguém qualquer, sempre pensa O prumo volta, então se mantém, e então se arruma mais decidido. O movimento que ensaia agora é lento como o de um quase-triunfo desfrutado. O sopro do vento é inspecionado pois precisa saber como eles correm. O joelho é dobrado, agacha-se. Sendo que o joelho direito fica um pouco mais baixo da dobradura do seu esquerdo. O chão é tocado levemente e a terra, e pequeninas pedras, o fazem sentir uma certa dor que não importa agora. O curvar dos seu dedos assim: do melhor jeito aprendido, o que sabe e sempre usou. O dedo quase tocando a dianteira do nariz. A búlica aprisionada. Levanta a mão pra dar impulso e finalmente arremessa seu mundo de gude em busca de uma vitória na infância.