LOBATO
Conheci Lobato no subúrbio da Penha , quando eu tinha ainda meus quinze anos . Morava na Penha . Devia já estar ele pelos seus sessenta a sessenta e cinco anos . Era culto e tinha voz firme . Cabeça branca , magro , enrugado , irônico , irreverente , beberrão , envelhecido e sempre com trajes sujos e velhos , vivia pelos botequins e dormia nas ruas , sobrevivia de alguns biscates e de desenhar Jesus Cristo no chão , com carvão , em troca de moedas que lhe jogavam . Era despojado de tudo . Diziam que sua família tinha boa condição social e vez por outra o recolhia , dava-lhe boas roupas e uma vida condigna , mas sempre o velho voltava às ruas . Era a vida de que gostava . Eu o admirava , porque , apesar da pouca idade , via nele algo novo , totalmente fora dos padrões que eu conhecia , uma espécie de repúdio ao bom-mocismo tão hipocritamente professado pelas pessoas e a sociedade em geral . E justamente naquela época eu já começava a renegar a figura do bom-moço , do bem-ajustado às ideias dos pais " perfeitos " e cheios de princípios morais pouco sinceros e muito duvidosos .
Lobato era o desprendimento , a desambição e talvez me tenha exercido alguma influência . Possivelmente porque me lembrasse , guardadas as devidas proporções , Diógenes , o filósofo grego totalmente desapegado das convenções sociais e cujos únicos bens eram um tonel que usava para abrigar-se do frio e uma cuia com que bebia água , a qual jogou fora após ver um menino fazê-lo convertendo as mãos uma concha . As histórias que me eram contadas do pensador me fascinavam Talvez o indigente misturasse Diógenes com Jesuíno Galo Doido , o anárquico velho vagabundo de " Os Pastores da Noite ", de Jorge Amado ( não conhecida ainda eu o Quincas Berro D ´´ Agua ).
Não sei o exato motivo : só sei que me encantou , porque eu estudava à tarde e , embora ainda não bebesse , passava as manhãs sentado a mesas de botequins , só para ouvi-lo contar suas histórias e ficar a conversar com ele .