My first Magazine Revista Sarau Subúrbio ed 01 | Page 16
Rio muito quando ocorre uma cena já clássica: mãe correndo pra tirar a
criança da areia. A criança geralmente impregnada de areia, mas tão feliz que,
pelas pouquíssimas exceções, sempre chora. Sempre me parece que ela vivia seu
momento mais feliz, sendo o momento mais sujo para os uniformes do colégio e
para as máquinas de lavar de suas mamães.
Os garotos empinando pipas com certeza nunca escutaram os choros dos
pequenos. Seus olhos buscando o céu sem cansaço. As mãos sangrando de cerol
fazendo os mais aguerridos volteios. A pipa correndo em zig-zag, subindo,
descendo e enfim atacando as adversárias: "Cortei!", "Vai, puxa, puxa!". As pipas
são seus únicos pensamentos naquela tarde. Acredito que os pipeiros não sabem
onde fica esse cantinho da areia. Da lama também, do barro. Posso estar
enganado mas, pelos sorrisos que vejo da janela, é o momento mais feliz da
criançada: o mundo feito da lama em suas mãos.
Em maio começam os ensaios da quadrilha. A iluminação não ajuda, mas
muitos do bairro vem ensaiar pra que a dança fique bonita em julho. Todos
trabalham,
estudam, tem seus diversos compromissos durante o dia, mas sempre dão um
jeito de fazer parte da quadrilha de São João. E todos os anos tem: barraquinhas,
pescaria na bacia, fogueira, quem as pule sem se queimar, quem as pule se
queimando, maçã do amor e a quadrilha, com direito a casamento com padre e
delegado.
Tem a barraca do churrasco também. O churrasqueiro fica o ano todo com
seu churrasquinho no espeto, que no bairro é conhecido como o "churras de gato"
(outra expressão diferente dos novos tempos, mas que acredito que venha de
outra iguaria: o churros.
Mas na festa junina, que sempre fazem em julho, é diferente. Ele diz que
"faz bonito!". As carnes, frangos, linguíças e queijos coalhos são servido por peso
e feitos na grelha e não no espeto, como de costume.
Mas, como o subúrbio é um lugar de enigmas e mistérios, ele faz todos os
anos exatos três peças de copa-lombo no alumínio e banhadas por um tempero
especial, cujo cheiro todos lembram o ano inteiro. São assadas bem devagar e no
final da festa ele abre a carne de porco tão marinada e no ponto, abre uma
cachaça de rolha paraibana e como e bebe sozinho. Coloca um samba-canção na
voz de Nelson Cavaquinho, olha as estrelas e chora.
Todo ano é assim. É o que vejo da minha janela voltada pra uma praça no
subúrbio.