My first Magazine Revista Sarau Subúrbio ed 01 | Page 15
U m a p r a ç a n o s u b ú r b i o
A praça é de um azul bem iluminado. Olhando assim distraidamente, de
sismada, sem pretensões quaisquer, vejo o quanto a viúva da rua de baixo é
apaixonada pelo pipoqueiro.
Todos os dias, voltando do trabalho, ela passa pra comprar seu saco da
iguaria. O sorriso sempre discreto: "Boa noite!", "Vai ser a de sempre?", "Sim, é a
especial... a que mais gosto!". Ela passa direto pelo pipoqueiro quando chega do
trabalho, rapidinho. Ele nem nota! Não é a hora em que pede a pipoca. Antes,
chega em casa e se apronta. Só volta bem perfumada. Não que eu da minha janela
sinta o olor: ele aparece, como uma quinta essência do ar.
Tem sempre futebol nas tardes de sábado. Os meninos todos calçando suas
chuteiras imaginárias, usando uniformes de faz-de-conta, transformando-se em
heróis da bola. Uns ousam nomear-se como seu ídolo. Outros são apenas Zé,
Gordinho, Pixaim. Mas, quando a bola emite seu som de percursão no pé ou
canela, no peito ou nas costas, no carrinho mal dado... o jogo de final de
campeonato vira uma grande pelada. Aí é que fica bom de ver!
Ao lado, no parquinho de balanços, gangorras, sobe-sobe e escorregas, tem
as mães do bairro. Todas vestidas com discrição. Claro que tem sempre as mais
ousadas, que na minha época eram chamadas de "peruas", mas agora recebem o
codinome singelo de piriguete (palavra de som estranho que pretendo ainda
pesquisar sua origem!). Tem também as crianças, claro. Jogam-se com tanto gosto
nas mais diversas brincadeiras que não consigo acompanhá-las.
Aposentado, já com certa idade, eu fico olhando tudo da janela. Ao meu
médico disse ser uma espécie de meditação: observo atentamente, sem julgar,
apenas colhendo as imagens em movimento. Digo-lhe que minha yoga sirvirá pra
terminar o livro que comecei lá pelos anos sessenta do século passado e que ele
deveria estar certo que tem muita coisa boa pra ser estudada no meu cantinho do
Itanhangá.