My first Magazine A Luta Bebe Cerveja - Ana Sens | Page 35

A LUTA BEBE CERVEJA Dante também fazia teatro. Se os jornalistas eram vigiados, os artistas passavam por maus bocados. Funcionava assim: depois de pronto, o pessoal do teatro mandava o texto para a censura analisar, lá com a Polícia Federal. Eles devolviam o roteiro picotado e exigiam dez, 15 ingressos para a trupe, claro que para poder fiscalizar depois, infiltrados na plateia. Mas aí rolava uma esperteza para se esquivar da censura: essa meia dúzia de ingressos exigida era marcada com lápis, um sinalzinho, coisa que não se percebe assim, logo de cara. Aí todo ingresso que passava na bilheteria, o responsável analisava se estava marcado ou não. Rápido e discreto. Se sim, é porque os infiltrados estariam assistindo à peça – apresentava-se a versão com cortes. Se não, tá liberado – manda a peça original no palco. O elenco logo ficava sabendo: “Eles estão na plateia”. Para isso, tinha que ser um grupo de confiança. Quem pega o bilhete, quem escreve o roteiro, quem atua. Todo mundo unido por uma coisa só. E às vezes a peça nem tinha nada demais, essa história toda não significa que toda peça de teatro era um atentado contra os milicos. A censura é burra, repetimos. Apagam o que não entendem, escondem o que não podem interpretar. As peças que Dante apresentava geralmente eram no Teatro Paiol ou no Teatro de Bolso, na Praça Rui Barbosa. Esse ficava na frente de um quartel, “atravessava a rua e ia para cadeia”. É porque muitas vezes, o medo vinha sem motivo. “A gente sentia medo do que não sabia”, diz Dante, porque todo mundo estava sujeito. Existir era se sujeitar. Nem todo capturado era militante, nem toda denúncia era real, nem toda música era uma afronta. Mas tudo era visto assim, vivia-se no limite. Para se ter uma ideia, caso se juntassem três ou mais pessoas na rua, era subversão. Qualquer aglomeração passou a ser proibida, ou ao menos, investigada. Não precisava estar fazendo nada, bastava estar junto. 34