My first Magazine A Luta Bebe Cerveja - Ana Sens | Page 15
A LUTA BEBE CERVEJA
na folha de jornal e manchar a mão de tinta já dava uma sensação de prazer indescritível,
daquelas que só quem ama o que faz entende. Jornal fresco mancha a mão de tinta e isso é
uma delícia.
Estamos na década de 1960, também 1970, imagine só uma Curitiba com menos ares de
modernidade, em que as pessoas caminhavam a passos curtos pelo Centro. Já se ouviu dizer
que quase não havia lugar para passar a noite em claro. O Bar Palácio – então na Rua Barão
do Rio Branco, outrora Rua da Liberdade – era o último que fechava. Lá tinha cerveja,
churrasco do tipo “filé de igreja” e “Mineiro de Botas”, uma sobremesa de banana, goiabada,
queijo e ovo – flambada – idolatrada pelos frequentadores.
As mesas eram de madeira, compridas, sem toalhas, tudo muito simples, praticamente os
mesmos
garçons
servindo
com
a
cara
amarrada
desde
a
fundação
em
mil-novecentos-e-bolinha. Pela fama de fechar tarde, concentrava dezenas de intelectuais por
metro quadrado – gente fina, grã-fina, finíssima, que vinha de fora comer o Churrasco
Paranaense depois de assistir a uma peça no Teatro Guaíra.
Muito político parava por lá. Um encontro memorável é descrito por Adherbal Fortes de Sá Jr.
no livro Curitiba no tempo do jazz, quando Lula e Fernando Henrique Cardoso sentaram no
Bar Palácio e se puseram a discutir marxismo; ambos talvez nem sonhassem que seriam
presidentes do país num futuro distante. Lula tinha dado as caras em Curitiba para participar
de um congresso, FHC estava de passagem. Conversaram, apertaram as mãos. A coisa toda
no bar, um bando de jornalista em volta. Artista, passante, gente desinteressada. Ninguém
sabia o desfecho futuro daquele encontro de figuraças. O que acontece no bar é também
despretensioso, só depois se percebe a importância.
Mas quando se diz que bar abriga muito político, era muito mesmo, porque de certa forma o
bar parece que faz parte da vida política de alguns eleitos. João Goulart, o Jango, nos tempos
de glória lá pelo Rio de Janeiro, costumava despachar nos bares. Há relatos sobre isso em
tudo quanto é canto. Ruy Castro registrou em A Noite do Meu Bem, um livro sobre o
samba-canção, mas também sobre as dezenas de boates que foi cantado por gente “na
fossa”, copo de uísque de um lado, microfone de outro,
14