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O meu coração irrequieto por causa das mensagens, entidades oficiais enviando alertas, notícias e reuniões de coordenação atropelavam-se em diferentes clusters, todos indicavam chuvas com rajadas e ventos com mais de 226km / h. Eu passei muito tempo pensando o quão desastrosos são 226 km / h para as pacatas casas nos arredores da cidade de Pemba, para as árvores, vias de acesso, infraestruturas governamentais precárias, os postes que ligam os cabos de eletricidade, redes de telefonia móvel, produção agrícola, etc. Imaginei um cenário catastrófico, pior ainda quando as memórias do ciclone Idai ecoavam no meu cérebro, cujos ventos foram acima de 210km / h, dizimando vidas e bens. Mas, ao mesmo tempo, guardava uma chama de esperança, que os ventos previstos se reduziriam de intensidade.
Por volta das 23 horas do dia 14, ligava eu para os meus amigos e familiares- uns estavam no conforto do seu lar e outros nas ruas, aproveitando o final de semana, alegres, convencendo-se que o ciclone havia mudado de rota. Uma hora depois, começou a chover com uma certa intensidade; minutos depois, ventos fortes batiam na janela, as árvores e chapas de zinco ganhavam asas, as paredes e muros perdiam a sustentação e caíam... Nesse momento, já não entendia o que era pior, se o ruído do chiar dos ventos fortes ou a minha consciência, que matutava constantemente, à espera do pior.
Passaram-se horas e eu continuava acordada, sem eletricidade, mas sobrava rede de telefonia móvel. Saí para verificar o quarteirão, observei eventos sinistros, as frondosas árvores de caju e manga tinham sido arremessadas sobre as ruas, famílias retiravam o pouco que restou nos escombros para reaproveitar. O semblante das pessoas denunciava indignação e medo, os postes de eletricidade ajoelhados e outros completamente deitados sobre o fofo chão coberto por lama, impedindo a circulação de veículos e até de pessoas, como se se estivesse num filme.
Durante o percurso, a minha câmara fotográfica registava os incidentes. No final da ronda, vi a casota que acolheu o meu sustento afetada, uma árvore caiu sobre ela, comprometendo a sua estrutura. O que os“ Helpos” chamavam de Escritório foi reduzido a uma simples casa fissurada. Se antes oferecia conforto e segurança, agora oferecia desconfiança e medo. Pois é, o Chido fez isso também.
Nos dias 15 e 16, a cidade de Pemba recuperava-se do chocalho, as vias intransitáveis, com limitações da rede de telefonia móvel e eletricidade. Mesmo assim, foi possível juntar-se a equipa liderada pelas Nações Unidas, com o objetivo de verificar o impacto do Ciclone Chido nos
Distritos de Mecufi( porta de entrada do ciclone), Ancuabe, Chiure e Metuge.
Os Distritos de Mecufi e Ancuabe são locais que acolhem o projeto“ Fortalecimentos dos Serviços de Saúde e Nutrição”, implementado pela Helpo, em parceria com a Unicef. A comitiva de Mecufi, da qual fiz parte, fez-se à estrada de barro alaranjado. As casas, que antes eram perfiladas de forma harmónica com árvores de copas frescas e com folhas verdes, naquele dia, era quase impossível distinguir se havia ali sequer uma planta fresca, casas alinhadas ou estrada alisada. De um dia para outro, viam-se somente casas escancaradas, denunciando o material que as constituía, a maior parte delas completamente devastadas e quase inexistentes. Um dia, as populações tinham o necessário, no outro sentiam incompreensão, fome, estavam desmotivados, desalojados, com necessidades aumentadas de forma exponencial, todos afetados e impactados. Até as zonas que tinham sido mapeadas como seguras e que serviriam de campos de acomodação, foram igualmente afetadas, aumentando a angústia e preocupação das Organizações Governamentais e Humanitárias.
Os Centros de Saúde, com limitados recursos para receber pacientes e materiais; as salas todas alagadas e sem teto, incluindo o bloco de internamento, que tinha sido reabilitado no âmbito do projeto recentemente; as caixas de diferentes medicamentos, finalmente, contemplavam