CRÍTICA
Bom-Crioulo prefigura, em vários sentidos, problemas do mundo moderno - como o universo gay - que
os cânones literários recusam, já que se firmaram numa sociedade regida pelo favor, de forte componente cultural escravista. Este é um romance de paixão e morte, maldito e insuportável para seu tempo.
É no negro Amaro, antes submisso e inerte, agora apaixonado pelo grumete louro, o frágil Aleixo, que
cresce o animal brutalizado pelo trabalho no eito da fazenda. É a paixão homossexual que o transforma
em brioso, arrogante, brutal e o conduz ao crime, quando se vê traído (a reação do ciúme em tomo desse
sentimento se faz o jogo amoroso). O branco Aleixo, desprotegido, se esconde atrás do crioulo homossexual; mais seguro, pensa arrumar um amante de mais poses; inexperiente, apaixona-se por uma mulher e nessa traição encontra a morte.
O romance nos leva a crer, tratar-se de uma vingança contra a instituição militar, com sua disciplina
desmoralizante, deprimente e intimidadora, nos moldes do que Raul Pompéia (1863-1895) teria feito em
O Ateneu - crônica de saudades -, subtítulo do romance que indica tratar-se de um livro de memórias,
publicado em 1888. Com este livro Adolfo Caminha cria uma tensão moderna entre as instituições carcomidas e a vida privada; seja a sua vida sexual - pela qual optou, abandonando a Marinha -, seja a de seu
personagem Amaro, ambos evidenciando que a sociedade saída da escravidão estava longe de perder a
feição totalitária.
Os escritores naturalistas como Adolfo Caminha, partem sempre das bases "científicas" para analisar
uma sociedade em flagrante dissolução, da sociedade burguesa romântica do século XIX. Ou seja, o protagonista de um romance naturalista está sempre à mercê das circunstâncias e não de si mesmo. Ele parece, muitas vezes, não ter entidade própria, agindo como se fosse teleguiado ou manejado.
O enfoque do Naturalismo, responde a uma tendência de época. O narrador em relação às suas personagens responde à exigência do romancista como um observador dos acontecimentos, mero captador
da realidade circundante. E nesse sentido, o romance Bom-Crioulo, demonstra que Adolfo Caminha soube interpretar perfeitamente o receituário naturalista.
Filiado ao pensamento filosófico de Hippolyte Adolphe Taine (1828-1893), que acreditava encontrar
na raça, no meio geográfico e social e no momento da evolução histórica os fatores capazes de explicar a
produção artística, o desenvolvimento das funções mentais e os fatos históricos; e de Emile Zola (18401902), que desejou ver a literatura adotar o rigor metodológico dos trabalhos científicos, a que considerava verdadeiro mestre.
Adolfo Caminha foi um crítico imparcial, de grande poder de análise e percepção dos valores estéticos, que lhe permitiu reconhecer, a despeito das limitações da época, o talento de Cruz e Souza (18611898). Reuniu suas críticas literárias em Cartas Literárias, publicadas em 1895, recentemente reeditadas
pelas Edições da Universidade Federal do Ceará na coleção Nordestina, 1999.
Para escrever Bom-Crioulo, Caminha utiliza-se de uma linguagem bastante acessível, e o seu modo de
narrar é extremamente peculiar, usando constantemente o diálogo indireto. Tendo como temática predominante o homossexualismo (não aprova nem condena), não foi colocado apenas em relação a Amaro
e Aleixo, estende-se também a outros personagens, os quais são aludidos como homossexuais.
Resistindo ao tempo, apesar do esquecimento editorial, tão menosprezado pela crítica do tempo e,
passados mais de um século de sua primeira edição (Livraria Moderna, editor Domingos de Magalhães,
Rio 1895), reeditado 3ª edição Organizações Simões 1956, em 1991 pela Editora Ática, São Paulo,
(indevidamente considerada 2ª edição), em 1997, mais uma edição pela Editora Artium, Rio de Janeiro, e
recentemente em 2002 pela Martin Claret. O r