MUNDANO MAG №04 | Page 47

UM ESTUDO EM VERMELHO - Sim. Tenho tendência a observar e a deduzir. As teorias que expus aí, e que lhe parecem tão fantasiosas, são extremamente práticas, tanto que dependo delas para comer e beber. - E como? - perguntei sem querer. - Bem, trabalho por conta própria. Imagino que seja o único no mundo com meu ofício. Sou um detetive-consultor, se entende o que quero dizer. Aqui, em Londres, há muitos detetives particulares e a serviço do governo. Quando eles têm dificuldades, procuram por mim e tento colocá-los na pista certa. Apresentam-me todos os indícios e, graças a meus conhecimentos da história do crime, geralmente consigo encaminhá-los corretamente. Existe uma grande similaridade entre os delitos, de tal modo que, se você tem os detalhes de mil casos na cabeça, dificilmente deixará de resolver o milésimo primeiro. Lestrade é um detetive completo. No entanto, há pouco tempo, atrapalhouse com um caso de falsificação e veio me procurar. - E aquelas outras pessoas? A maioria foi enviada por agências particulares de investigação. Têm algum problema e vêm em busca de esclarecimento. Escuto suas histórias; ouvem os comentários e eu embolso meu dinheiro. - Você está querendo dizer - falei - que, sem sair de seu quarto, deslinda o mistério que outros não conseguem esclarecer, mesmo com conhecimento dos detalhes? - Exato. Tenho uma certa intuição sobre esse tipo de coisa. Às vezes, surge um caso um pouco mais complexo. Então, tenho que andar por aí e ver as coisas com meus próprios olhos. Você sabe que tenho conhecimento especializado para aplicar à solução dos problemas, e isso MUNDANO mag facilita de modo fantástico a situação. As regras de dedução expostas no artigo, e que você considerou desprezíveis, são inestimáveis para meu trabalho prático. Observação é minha segunda natureza. Você ficou surpreso quando lhe disse, à primeira vez em que nos encontramos, que você havia estado no Afeganistão. - Alguém lhe contou, sem dúvida. Nada disso. Eu sabia que você vinha do Afeganistão. Como o hábito é antigo, a sequência de pensamentos se formou tão rápido em minha mente que cheguei à conclusão sem ter consciência das etapas intermediárias. No entanto elas existiram. A sequência foi a seguinte: "Aqui temos um cavalheiro com aparência de médico, mas que também parece um militar. Trata-se de um médico do exército, portanto. Veio há pouco dos trópicos, porque seu rosto está bronzeado e esta não é a cor natural de sua pele, uma vez que seus pulsos são claros. Sofreu doenças e privações, seu rosto abatido denuncia isto. Feriram-lhe o braço esquerdo, pois ele o mantém rígido numa postura nada natural. Em que lugar dos trópicos um médico do exército britânico enfrentaria dificuldades e poderia ter seu braço ferido? No Afeganistão, é claro". Toda essa corrente de pensamentos não levou um segundo. Aí, comentei que você vinha do Afeganistão e deixei-o espantado. Do modo como você explica, tudo parece muito simples - ponderei, sorrindo. - Você me lembra o Dupin', de Edgar Allan Poe. Nunca pensei que indivíduos como ele pudessem existir fora das páginas dos livros. Sherlock Holmes ergueu-se e acendeu seu cachimbo. Com certeza, pensa estar me fazendo um cumprimento ao me comparar com Dupin observou. - Bem, em minha opinião, Dupin era um tipo inferior. Aquele truque de interromper o pensamento > 47