Minha primeira publicação Exposição Negros Claros — Bruno da Cunha | Page 10
A CATARSE NA OBRA
PESQUISAS EM TORNO DO SER, DA POÉTICA E DO SAGRADO
A exposição de Bruno da Cunha apresenta um conjunto de obras que partem
de uma investigação elementar ao seu trabalho e que procura, na interioridade
da sua experiência, a materialização do (re)conhecimento que faz sobre ques-
tões de raiz material, espacial e poética, onde conceitos como a ausência, a
presença e o sagrado são eixos constantes. Os trabalhos derivam desse diálogo
consigo mesmo, ou que é feito a partir de si com o exterior e, por isso, também
da poética própria do existir, a partir daquilo que ela intrinsecamente conserva
como misterioso e enigmático.
A descoberta da poesia corresponde, por assim dizer, ao encontro da vida
com ela mesma, mas de um modo consciente que ilumina. E esse é um cami-
nho sem fim, pois o trabalho com essa luz exige uma atenção laboriosa que
tem obrigatoriamente de evoluir a partir de dentro, como um treinamento que, à
medida que se vai tornando mais eficaz, nos acerca dela, mas dificilmente a do-
mina, concedendo-nos apenas fugazes momentos de clara visão. Por isso, cada
uma das obras da exposição, e todas elas, no seu conjunto, são instantes de
um devir latente que inaugura a partilha de um caminho feito e a fazer-se pelo
artista, lentamente, em direção a um lugar antecipadamente indefinível, mas ao
qual se dedica com grande comprometimento.
Não consideremos, por isso, estas obras como elementos estáticos, mas
antes como medidas de um silêncio que se impõe, de uma lentidão própria do
carácter de interioridade do trabalho do qual derivam. Essa aparência estática
das obras é conseguida pelo artista através dos materiais que usa e dos desvios
que lhes confere, na procura fundamental pela leveza da matéria que é simulta-
neamente densa e somada aos suportes. Leveza essa que existe no trabalho de
Bruno da Cunha também por consideração à harmonia própria da natureza
(a uma poesia tangencial a tudo o que existe), consciente das proporções áu-
reas e de outros acordos internos que ordenam o mundo conforme ele é e nós
somos com ele. À medida que o trabalho avança, ele vai encontrando mais evi-
dências, e somando uma melhor compreensão sobre o funcionamento das coisas.
Contudo, tal trabalho só é possível no âmbito daquela atenção. O artista ex-
plora ativamente as suas capacidades de ver, de escutar, de circundar, de sentir,
para então, com as mãos que pode, dar continuidade à obra. Dizemos que ele
continua a obra, ao invés de começar, na medida em que a obra é, ela mesma, o
espaço da investigação a que o artista se propõe, quer do ponto de vista formal,
quer conceptual. O artista, como o homem que (se) pesquisa, coloca a obra em
função desse trabalho; não num sentido simbólico, da representação de algo
concreto, numa lógica de substituição direta, mas através de uma integração
do conceptual – do imaterial – na matéria, no gesto, no controlo da forma, nas
transformações que lhe impõe - ou que lhe impõe a obra e às quais tem mesmo
que ceder -, e todas essas decisões têm em vista a mesma tentativa de trazer a
luz sobre algo que, assim, se manifesta através da obra.
No trabalho de Bruno da Cunha, essa dimensão imaterial, resultante da pes-
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