Madame Eva Nº3 | Page 6

SUSSURROS DA TERRA Por Pedro de Pina Viana L embro-me que por um instan- te percebi: fazia um dia bonito. O céu em um azul grave, ameaçan- do tempestade, a plantação num verde forte, devolvendo o cumprimento, e eu, sozinho, naquela imensidão do canavial, à espreita, segurando a carabina que um dia foi de meu pai. Empunhava ela em meu ombro, preparada que estava para romper clarão na sombra em que me embrenhava. tava. Queriam era provocar fraqueza, mostrar tamanho do bando, precipitar atitude. Disso eu ria, desdenhoso, cá, den- tro de mim. Espreitava escondido, pacien- te, com os olhos iguais duas jabuticabas, bem abertos. Suor caía na fronte, de ter que limpar com o punho para não atra- palhar a observação. Medo, nunca tive em vida, não era da morte que iria fugir. Quem vê falando assim, até pensa que é derrotismo meu. De quem entrega As folhas de cana roçavam carícias a algibeira antes de desembainhar o fer- em meu rosto, em meus braços, enquanto ro. Mas se engana. Já vi muita coisa nes- eu andava devagar pelo mato. Meu peito se mundo, já lutei por demais. E quando se destrambelhava; batia frouxo, rápido, chega a hora de partir, dá pra saber do carecia até de segurar. Só que, nessa vida, profundo da gente, cada pedacinho do aprendi com custo que coração não tem corpo avisa. E isso, não olhei de relan- arreio, e se com cavalo de teima a gente ce, enfrentei de frente. É que o medo da esbraveja, torce de um lado, torce do ou- morte paralisa a vida. tro até aprumar rumo, com o coração é De Deus, pouco conheço, nun- diferente, só se amansa com o deixar ser, ca prestei prece falada. Crente não fui, respirando, profundo. também nunca desacreditei. Reverência As vozes já se aproximavam, às só prestei em silêncio, em respeito dele dezenas, espaçadas. Engraçado o que se existir mesmo. Vi gente simples gastar pensa perto da morte. O cheiro dos pés as economias com reza, pra garantir um de cana, o úmido agarrado no corpo, me pedaço de céu. Jagunço, com medo de in- fazia lembrar Clarice, nos anos atrás, ferno, que corria do bom combate. Padre nua, pela primeira vez, a pele morena mijando no chão na hora de morrer. Mas, no meio do canavial. Parecia até pintura. aqui, no meu profundo, guardo receio Eu, que já tinha enfrentado touro bravo, e não, de julgamento nenhum. Vivi como nunca arredava pra homem nenhum, na- pude, fiz o que tinha que fazer. Se Deus quele dia, senti como se o estômago esti- existir, o olharei tranquilo; se não, hoje vesse cheio de mariposa. Tempos depois, acaba Francisco da Silva Ferreira, no tem- mais uma vez, encontrava-me na mesma po em que era pra ser. plantação. Marcado pela memória dela, o O cerco devagar foi se firmando, vestido vermelho largado no chão. Tem farejavam meus rastros. Mas careciam de saudade que faz companhia pra solidão saber de exato onde eu estava, tateavam da gente. pe