Madame Eva Nº3 | Page 24

O OVO Por Mariana Barroso P ermita-me politizar, o Ovo. Se, do contrário, se esfacela caoti- camente toda a casca, o resultado final é uma superfície irregular, abundante de buracos, às vezes até mesmo é possível encontrar o amarelo da gema, aquele nú- cleo guardado para a verdadeira refeição. O trabalho torna-se manchado, tomado pelo jeito xucro daquela intervenção. Cabe, portanto, questionar-se dos objetivos. “Desejo o ovo perfeito, do brilho, a enfeitar um prato que lhe serve de cama, de superfície.”. Não! Cobiço mesmo é o processo que desfaz, que toca com mãos firmes todo o ovo, estando ele, ao final, aberto o suficiente para que se acesse o núcleo, se toque, por que não, as entranhas de todos: as mãos e os dedos sujos do cirurgião, a superfície esburacada daquela extensão branca, o vistoso amarelo da gema todo a mostra. Permita-me: o Ovo. O ovo não é apenas branco e luzidio. Pode ser caipira, tendo então co- loração mais escura, pode ainda vir com o carimbo de orgânico (sem significado). Não precisa ser mascarado na água, para que ao final saia lustroso e pronto a ser exibido. Pode, deve, ser be- suntado no óleo de coco, frito, mexido, revirado, temperado das mais diversas ervas, das mais contraditórias e inusitadas preferências; pode ser metido na água quente em turbilhão, tingi- da de vinagre e vinho branco. A quem interessa uma remoção bela e cirúrgica da mem- brana? A quem interessa a lisa superfície branca e bri- lhosa? Não sei. A mim, in- teressa-me os buracos caóticos do desassossego que, por fim, revelam o núcleo, que poderá se mostrar mole ou duro; mistu- rando-o a tudo que há de mais di- verso e complexo no mundo das comidas. 22 Cozido o ovo, descascar ou penetrar aquela capa dura que pro- tege a gema é empreitada que traga. Para que ao final do processo se tenha às mãos uma perfeita forma branca, luzidia, pron- ta a receber os temperos, é necessário, sobretudo, saber quebrar a parte dura. Àquele que toma um garfo ou objeto qualquer, e dana a esmigalhar o ovo, es- perando que ao final a casca se desfaça facilmente, espera a frustração. Esta su- perfície reluzente advém tão somente de processo cirúrgico. Quebrando-se cerca de um terço da casca, a membrana que protege o conteúdo se desfaz; o resto intacto e duro do invólucro, como que inesperadamente, desarruma-se mais fa- cilmente, dando inclusive ao pobre cirur- gião pequena sensação de prazer; o dever está brilhantemente cumprido, com a mínima agressão.