Madame Eva Nº3 | 页面 10

OS GAROTOS DE OFÉLIA Por Ícaro Adônis de Oliveira A narrativa conta que dona Ofé- lia suspeitou, por acaso, logo no primeiro dia da gravidez, que es- perava gêmeos. Andava ela pelas ruas da cidade durante o alvorecer, e decidiu tomar café na padaria. Falou à moça da cesta que queria dois pães, quentinhos se possível e levemente queimados. A res- posta foi seca: “senhora, você está grávi- da, não está?”, ao que um desconhecido logo atrás na fila rebateu: “que beleza, e serão gêmeos!”. Não havia motivo para desconfianças quanto a real possibilidade do acontecimento; no entanto, dona Ofé- lia não compreendia o porquê daqueles mensageiros, tampouco imaginava que, àquela altura, um bebê, ou dois, poderia estar a caminho. Após alguns meses, veio a confir- mação. Eram gêmeos, dois meninos. Se o leitor se pergunta do pai ou de qualquer família próxima, é clara a resposta: não possuem papel na história que relatamos. Ofélia, Jerônimo e Oraci formam, por hora e até o fim, os personagens e a famí- lia que existiu. Dona Ofélia, de quem, é verdade, pouco sabemos até o momento, sempre foi entregue a práticas místicas, exotéricas, de modo que, ainda perto dos treze anos dos garotos, a vizinhança não compreendia muito bem a educação que recebiam. Não frequentavam a escola normalmente, havia um entra-e-sai de homens e mulheres durante as manhãs, o que os curiosos passaram a ver como tutores. No entanto, perto dos doze, quan- do os irmãos começaram a ir à padaria sozinhos, conta-se que, nas mais inusi- tadas situações, encontravam as marcas dos garotos de Ofélia. que a informação do menino era verossí- mil: daquele dia em diante era lei: o pão deveria ser feito com farinha de tamba- qui. Pleiteou Jerônimo que tão rico em nutrientes era o alimento que o governo determinou que, dali uma semana, a tal farinha deveria ser a matéria prima por excelência dos padeiros. Aquele que in- fringisse a determinação seria punido. Simples e desinformado, o homem danou a calcular o custo daquela empreitada e demorou um mês para compreender que se tratava de uma embustice. Oraci, já na mocidade, fez-se de poeta e de apaixona- do por uma jovem professora da escola da vizinhança, escrevendo-lhe poemas por demais lúbricos... Encanta-me sua crista da tíbia, sua forma alongada serve-me de livro, quando ao joelho encontro o pano, ardo na vontade de ascender ao fim da estória. Embruxa-me este tabuleiro da tela, quando meus olhos nela jogam xadrez, meu cavalo roda em Ls, perfura o tecido, que alívio: encontrar a Rainha! ... apenas para observá-la a sua espera por dias na estação central da cidade. Não se revelando, e concluída a decepção da moça, Oraci tornava a enviar versos, justificando-se, reavivando os desejos da professora. Enfrentada a infância e a juventu- de, agora vivendo a maturidade, os dois rapazes adquiriram, cada um, seus inte- resses. Jerônimo cresceu aficionado por teorias da conspiração, mesmo não cren- do em nenhuma delas; Oraci, por verda- des absolutas. Autodidatas: o primeiro Jerônimo, mais entregue ao espí- ganhava seus rendimentos pintando e rito resoluto, certo dia teimou tanto com expondo em pequenas galerias; o segun- o padeiro que este ficou convencido de do, garantia a vida por meio de aulas par- 8