RIO PARAÍBA
RIO PARAÍBA
Por Pedro de Pina Viana
Hoje eu acordei com uma vontade de chorar Não sei se é água de rio, não sei se é água de mar
Nem vi os raios na serra que fazem a enchente chegar Serpenteando meu peito, fazendo a terra molhar E lá se vai o roçado, deitaram-se os caules de cana É corrente que arrasta o gado e joga os corpos na lama Pensei até em fugir, agarrar o céu no horizonte Mas alaga-se toda a estrada e foi-se embora a ponte Por mais que se resista e finque a barreira que estanca A força é tão grande que arrebenta os nós da garganta E a tapera feita com esmero, que na seca perdeu a esperança, Virou pau e barro vermelho: na ferrugem do sangue, a lembrança
É que hoje eu acordei com uma vontade de chorar Não sei se é doce de rio, não sei é fel de mar
Já arei léguas de terra, tantas que nem sei contar No solo duro e seco, eu vi minha mão sangrar Do alívio que brota da horta, já colhi os frutos da fome Minha boca, molhada de sede, beijou os corpos que a peste consome E me meti por todos caminhos, por vale, plano ou monte Minha coberta do frio da noite era o sol rasgando ao longe Nem um olho me viu fraquejar, na andança desse sertão É a coragem que separa os joelhos nestas terras de Mello e Mourão Já adulei com chumbo e fogo os peitos de meus semelhantes Pois a ternura que une este povo, é a força e o ferro pulsante Assim, enterrei dois de meus filhos, caídos na noite, ao som de trovão No outro dia, acordei bem cedinho, me cansei no trabalho, não entoei nem canção Meu terceiro filho, Tião, talvez farto desta vida tão dura Catou suas trouxas, rumou para o sul, quem sabe esqueceu amargura Isso me lembra meu pai, que sempre dizia, quando eu era menino“ Nosso sangue, José, tem um garantido: é o passo firme, é o queixo erguido”
Mas hoje eu acordei com uma vontade de chorar Quem pode conter o rio que quer desaguar no mar?
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