Madame Eva Nº1 | Page 9

AO FIM DO ESTOPIM
AO FIM DO ESTOPIM
Por Rogério Villas Boas
-Canalhas! Canalhas! Canalhas!
Bradou uma, duas e três vezes, pausadamente, como quem sustenta cada palavra. Bradou até perder a voz e seu rosto arder em chamas. Usou seu último fôlego para ferir de morte o seu inimigo. E para sua surpresa, foi o mundo que caiu diante de seus pés; sem vida.
Depois, olhou ao redor, como que procurando quem o desafiasse. Não havia nem homem, nem mulher, todos pequenos, atordoados. Havia, porém, as máquinas. Essas, imponentes, levantavam-se como muralhas intransponíveis. Ele lançou-se sobre elas e as derrubou; uma a uma. Quebrou os computadores do escritório como quem derrubava torres, despedaçou-os com o mesmo afinco de quem, um dia, destruiu a Bastilha.
Sua tez ruborizava quando explodiu porta afora em marcha de passos largos. Atravessou a avenida ao som de buzinasso:“ Não me curvo ao toque da corneta! Jamais!!!”. Em sua mente não havia nada mais que o zumbido de sua fúria, enquanto ele avançava com seu exército, pelos destroços daquela civilização.
Caminhou enquanto rufavam os tambores de seu peito. Mas em algum momento, não se sabe quando, eles foram diminuindo até quase parar. E ele se viu diante de um boteco.
Entrou, sentou-se ao balcão e pediu:“ seu pileque mais forte!”. Dragou aquela dose como um sedento em meio ao deserto. Pediu a segunda dose e a tomou no desespero de manter-se vivo. A terceira dose escorreu por seu pescoço, pelo seu dorso, transformando – se no rio que, na quarta, na quinta e na sexta dose, já era um mar em ressaca. Sua pequena embarcação chacoalhava na tormenta, presa na rebentação, enquanto lhe arrebatava, seguidamente, novas e imensas ondas, advindas de mais copos de cana.
Resistiu enquanto pôde na sua obstinação de marinheiro que enfrenta o oceano. Mas sua galé despedaçava-se a cada nova investida. Já tonto, zonzo pelas pancadas repetidas, levantou-se, por fim, uma gigantesca onda. Em seu derradeiro ato, ele soltou o leme, entregando-se como mártir contra a natureza, contra os céus.
Viu o mundo rodopiar num misto de trevas, espuma e água. Milésimos de segundo centenários em que viu passar a vida por sobre os seus olhos. Depois disso, finalmente, foi sugado pela enorme mandíbula que se abria para a mais completa escuridão. Balbuciou:
-Moby Dick.....
Como Jonas, foi tragado pela baleia e depois cuspido em meio a escória humana: a cidade de Nínive.
E então, Pôs-se de pé.
Em meio à confusão das horas, a fumaça dos carros esbarravam em seus ombros.
Luzes o atordoavam por todos os lados. Caminhar era quase inútil, barulhos de espadas, rifles e gritos rugiam na escuridão da noite. E ele se via só. Carregava o enorme peso de si mesmo e quase se arrastava inerte pelo chão. Os postes rodopiavam laranjas revelando os peitos nus das putas. Os mendigos, todos eles

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