AO FIM DO ESTOPIM
AO FIM DO ESTOPIM
Por Rogério Villas Boas
-Canalhas ! Canalhas ! Canalhas !
Bradou uma , duas e três vezes , pausadamente , como quem sustenta cada palavra . Bradou até perder a voz e seu rosto arder em chamas . Usou seu último fôlego para ferir de morte o seu inimigo . E para sua surpresa , foi o mundo que caiu diante de seus pés ; sem vida .
Depois , olhou ao redor , como que procurando quem o desafiasse . Não havia nem homem , nem mulher , todos pequenos , atordoados . Havia , porém , as máquinas . Essas , imponentes , levantavam-se como muralhas intransponíveis . Ele lançou-se sobre elas e as derrubou ; uma a uma . Quebrou os computadores do escritório como quem derrubava torres , despedaçou-os com o mesmo afinco de quem , um dia , destruiu a Bastilha .
Sua tez ruborizava quando explodiu porta afora em marcha de passos largos . Atravessou a avenida ao som de buzinasso : “ Não me curvo ao toque da corneta ! Jamais !!!”. Em sua mente não havia nada mais que o zumbido de sua fúria , enquanto ele avançava com seu exército , pelos destroços daquela civilização .
Caminhou enquanto rufavam os tambores de seu peito . Mas em algum momento , não se sabe quando , eles foram diminuindo até quase parar . E ele se viu diante de um boteco .
Entrou , sentou-se ao balcão e pediu : “ seu pileque mais forte !”. Dragou aquela dose como um sedento em meio ao deserto . Pediu a segunda dose e a tomou no desespero de manter-se vivo . A terceira dose escorreu por seu pescoço , pelo seu dorso , transformando – se no rio que , na quarta , na quinta e na sexta dose , já era um mar em ressaca . Sua pequena embarcação chacoalhava na tormenta , presa na rebentação , enquanto lhe arrebatava , seguidamente , novas e imensas ondas , advindas de mais copos de cana .
Resistiu enquanto pôde na sua obstinação de marinheiro que enfrenta o oceano . Mas sua galé despedaçava-se a cada nova investida . Já tonto , zonzo pelas pancadas repetidas , levantou-se , por fim , uma gigantesca onda . Em seu derradeiro ato , ele soltou o leme , entregando-se como mártir contra a natureza , contra os céus .
Viu o mundo rodopiar num misto de trevas , espuma e água . Milésimos de segundo centenários em que viu passar a vida por sobre os seus olhos . Depois disso , finalmente , foi sugado pela enorme mandíbula que se abria para a mais completa escuridão . Balbuciou :
-Moby Dick .....
Como Jonas , foi tragado pela baleia e depois cuspido em meio a escória humana : a cidade de Nínive .
E então , Pôs-se de pé .
Em meio à confusão das horas , a fumaça dos carros esbarravam em seus ombros .
Luzes o atordoavam por todos os lados . Caminhar era quase inútil , barulhos de espadas , rifles e gritos rugiam na escuridão da noite . E ele se via só . Carregava o enorme peso de si mesmo e quase se arrastava inerte pelo chão . Os postes rodopiavam laranjas revelando os peitos nus das putas . Os mendigos , todos eles
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