SÁBADO À TARDE. OU OUTRO DIA QUALQUER
Por Ana Maria Monteiro
Perguntas-me se caso contigo. Dei- ouvido ou imaginado palavras que não
tas a pergunta cá para fora com a mesma proferiste.
indiferença com que indagarias se quero
Por iniciativa própria, a joaninha
comer um gelado, ou ir ao cinema.
levanta voo. Quero ir também.
Apanhada de surpresa, olho-te
Há anos que acredito amar-te.
sem nada ver – o vazio dentro e fora do
meu olhar.
Sim, talvez aceite um gelado, é
bom, fresco e doce. Cinema não, não me
apetece ficar tanto tempo fechada no es-
curo olhando uma tela e sentindo o ar
refrigerado, sempre um pouco mais frio
do que o desejável.
Não dizes nada. Recostado no ban-
co deste jardim, mãos nos bolsos, pernas
esticadas e cruzadas, pés entrelaçados,
sempre o direito por cima do esquerdo,
o olhar fixo na joaninha que te pousou
na biqueira do sapato.
Olho a aparente beleza da joani-
nha e recordo a música: “Voa Joaninha,
voa, voa…” Sinto-me joaninha.
E quero voar. Para Lisboa, para
outra capital qualquer, fundir-me numa
multidão metropolitana e anónima onde
possa existir sem o peso de ser.
Continuas calado. Sei que hesitas
entre sacudir o pé, afugentando o in-
secto, e a tentação de a esmagar, com a
mesma indiferença votada ao imediato
esquecimento que usarias para apenas
fungar ou encolher os ombros. Gestos
familiares, que consigo ver e antecipar
com precisão nítida, nascida do hábito
de estarmos juntos.
A tua imobilidade confunde-me
mais que a própria pergunta. E interro-
go-me se aguardas uma resposta, se terei
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