Madame Eva Mme Eva quinto numero | Page 20

SÁBADO À TARDE. OU OUTRO DIA QUALQUER Por Ana Maria Monteiro Perguntas-me se caso contigo. Dei- ouvido ou imaginado palavras que não tas a pergunta cá para fora com a mesma proferiste. indiferença com que indagarias se quero Por iniciativa própria, a joaninha comer um gelado, ou ir ao cinema. levanta voo. Quero ir também. Apanhada de surpresa, olho-te Há anos que acredito amar-te. sem nada ver – o vazio dentro e fora do meu olhar. Sim, talvez aceite um gelado, é bom, fresco e doce. Cinema não, não me apetece ficar tanto tempo fechada no es- curo olhando uma tela e sentindo o ar refrigerado, sempre um pouco mais frio do que o desejável. Não dizes nada. Recostado no ban- co deste jardim, mãos nos bolsos, pernas esticadas e cruzadas, pés entrelaçados, sempre o direito por cima do esquerdo, o olhar fixo na joaninha que te pousou na biqueira do sapato. Olho a aparente beleza da joani- nha e recordo a música: “Voa Joaninha, voa, voa…” Sinto-me joaninha. E quero voar. Para Lisboa, para outra capital qualquer, fundir-me numa multidão metropolitana e anónima onde possa existir sem o peso de ser. Continuas calado. Sei que hesitas entre sacudir o pé, afugentando o in- secto, e a tentação de a esmagar, com a mesma indiferença votada ao imediato esquecimento que usarias para apenas fungar ou encolher os ombros. Gestos familiares, que consigo ver e antecipar com precisão nítida, nascida do hábito de estarmos juntos. A tua imobilidade confunde-me mais que a própria pergunta. E interro- go-me se aguardas uma resposta, se terei 18