SÁBADO DE ALELUIA EM PITANGUEIRA DO NORTE
Por Pedro de Pina Viana
-E
que caia o lenço!!!
Rugia, no palanque, Bel-
trão Boa-Lábia, todo forrado na
mais fina estampa de seu terno enco-
mendado da capital, do ano em que re-
cebeu aquela herança de sua falecida vó,
Gumercinda Tavares.
E bastava esse rugido, para come-
çar o velho ritual: Lucinda, a moça mais
bela da cidade, soltava o seu lenço per-
fumado, que devagar se deslocava até
pousar delicadamente no chão. E mal
descansava aquele pedaço de renda, João,
o estudante prodígio do ano, eleito por
mérito próprio, graças às mais altas notas
na Escola Municipal Rodolfo Filho, tinha
a honra de soltar a corda que suspendia a
lâmina do mais estimado monumento de
toda Pitangueira do Norte: A Guilhotina.
das mulheres da praça. Algumas disfar-
çavam as lágrimas, puxavam tosse alta,
outras bocejavam falso desinteresse. É
que Vilarino Cangote era patrimônio da
cidade: o maior namorador da região. Di-
ziam que sua fama era tão grande que
chegava até Pitangueira do Sul, se é que
essa cidade existia mesmo.
Enquanto o serviço municipal de
limpeza dava um jeito na sujeira deixada
por Vilarino Cangote, Beltrão Boa-Lábia
tratava de retomar a cerimônia. Não sem
os protestos do jovem Cleilson, que des-
de que tinha retornado dos estudos na
capital, andava revoltoso que só a peste.
Tudo que dizia invocava um tal Carlos
Marques ou então um tal de Micail Baca-
ninha. Bem dita a verdade, ninguém sa-
bia quem era os dois. No boteco da praça,
comentavam ser dois sujeitos enrustidos
da cidade grande.
E todo aquele espelho prateado
descia reluzente na velocidade de um
– Pois bem. Estimados cidadãos Pi-
raio e ia dar bem no pescoço de Vilarino tangueirenses! – retomava, Beltrão Boa-
Cangote.
-Lábia – Não percamos tempo! Pois hoje
cabe-nos cumprir a contento esse dever
– Morreu sorrindo, o desgraçado.
cívico de inestimável valor para as tra-
– Reclamava insatisfeito Coronel Hono-
dições de nossa grandiosa cidade. Conti-
rico Viana.
nuemos com a leitura deste importante
– Nem pra morrer presta! – Con- documento: O Testamento de Judas Isca-
riotes! E hoje, devo dizer: ele está particu-
cordava Joelmo Ribeiro
larmente extenso!
O fato é que Vilarino Cangote ti-
– Ai, meu Deus! Não vou aguentar
nha reservado dois dedos de reza pra fa-
tanta
ladainha!
– Comentava impaciente
zer como derradeiro ato, mas distraiu-se
o
jovem
Tunico,
na última fileira.
olhando por dentro da saia de Madame
Olivia, mulher do Coronel. Ela, meio
– E eu só queria era dançar forró! –
que sem querer, meio que querendo mui-
Respondia, desgostoso, o amigo.
to bem, entreabria um pouco as pernas
para ajudar o pobre condenado.
É que, tradicionalmente, todos os
anos após a cerimônia de leitura do tes-
Morreu feliz.
tamento de Judas Iscariotes, acontecia a
Quem ficou triste foi boa parte maior festa de forró bodó da cidade. A
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