Madame Eva Mme Eva quarto numero | Page 21

SÁBADO DE ALELUIA EM PITANGUEIRA DO NORTE Por Pedro de Pina Viana -E que caia o lenço!!! Rugia, no palanque, Bel- trão Boa-Lábia, todo forrado na mais fina estampa de seu terno enco- mendado da capital, do ano em que re- cebeu aquela herança de sua falecida vó, Gumercinda Tavares. E bastava esse rugido, para come- çar o velho ritual: Lucinda, a moça mais bela da cidade, soltava o seu lenço per- fumado, que devagar se deslocava até pousar delicadamente no chão. E mal descansava aquele pedaço de renda, João, o estudante prodígio do ano, eleito por mérito próprio, graças às mais altas notas na Escola Municipal Rodolfo Filho, tinha a honra de soltar a corda que suspendia a lâmina do mais estimado monumento de toda Pitangueira do Norte: A Guilhotina. das mulheres da praça. Algumas disfar- çavam as lágrimas, puxavam tosse alta, outras bocejavam falso desinteresse. É que Vilarino Cangote era patrimônio da cidade: o maior namorador da região. Di- ziam que sua fama era tão grande que chegava até Pitangueira do Sul, se é que essa cidade existia mesmo. Enquanto o serviço municipal de limpeza dava um jeito na sujeira deixada por Vilarino Cangote, Beltrão Boa-Lábia tratava de retomar a cerimônia. Não sem os protestos do jovem Cleilson, que des- de que tinha retornado dos estudos na capital, andava revoltoso que só a peste. Tudo que dizia invocava um tal Carlos Marques ou então um tal de Micail Baca- ninha. Bem dita a verdade, ninguém sa- bia quem era os dois. No boteco da praça, comentavam ser dois sujeitos enrustidos da cidade grande. E todo aquele espelho prateado descia reluzente na velocidade de um – Pois bem. Estimados cidadãos Pi- raio e ia dar bem no pescoço de Vilarino tangueirenses! – retomava, Beltrão Boa- Cangote. -Lábia – Não percamos tempo! Pois hoje cabe-nos cumprir a contento esse dever – Morreu sorrindo, o desgraçado. cívico de inestimável valor para as tra- – Reclamava insatisfeito Coronel Hono- dições de nossa grandiosa cidade. Conti- rico Viana. nuemos com a leitura deste importante – Nem pra morrer presta! – Con- documento: O Testamento de Judas Isca- riotes! E hoje, devo dizer: ele está particu- cordava Joelmo Ribeiro larmente extenso! O fato é que Vilarino Cangote ti- – Ai, meu Deus! Não vou aguentar nha reservado dois dedos de reza pra fa- tanta ladainha! – Comentava impaciente zer como derradeiro ato, mas distraiu-se o jovem Tunico, na última fileira. olhando por dentro da saia de Madame Olivia, mulher do Coronel. Ela, meio – E eu só queria era dançar forró! – que sem querer, meio que querendo mui- Respondia, desgostoso, o amigo. to bem, entreabria um pouco as pernas para ajudar o pobre condenado. É que, tradicionalmente, todos os anos após a cerimônia de leitura do tes- Morreu feliz. tamento de Judas Iscariotes, acontecia a Quem ficou triste foi boa parte maior festa de forró bodó da cidade. A 19