Madame Eva Mme Eva quarto numero | Page 19
e força. Pensei na
morte, na corrosão
de meus órgãos, na
solidão existencial da
maternidade impos-
ta.
Decapitaram-me!
Aqueles
homens, com suas armas e venenos,
decapitaram-me estocada após esto-
cada. Mas, como a Hidra de Lerna
– monstro feminino da antiguida-
de clássica – a cada cabeça tomba-
da, nasciam duas mais. Transfor-
mei-me neste ser policéfalo que
sou. Fiz-me mulher aos treze
anos e, agora, fazia-me mulher
a cada vez que me raptavam a
sequência natural do tempo!
Mas o flagelo
de não saber o que
ocorria com meu
corpo lembrou-
-me os treze anos.
Úlceras, ardên-
cias, cortes e
formigamen-
tos; senti-me
desligada de
mim
mes-
ma. A incer-
teza daquilo
tudo só se re-
solveria com
mais sangue
entre as pernas
e o tempo, nova-
mente, fez-se pro-
tagonista ao exigir
de mim um mês
para a resposta.
Conformei-me com mi-
nha condição, não de vítima, mas
heroína desse gênero implacável
que renasce diante do tempo e
da maldade dos homens. Tudo
na terra, como nos céus, tem
seu ciclo. Tudo nasce, cresce
e morre.
Menos a mulher.
Pois a mulher nasce e renas-
ce a cada violentada, a cada
obstrução. Nosso ciclo é
interrompido à força cada
vez que desobedecemos à
vontade sexual de um
homem. E toda vez,
é tanto sangue, que
se mistura com tan-
to suor, que a mu-
lher quase cansa
de tanto ter que
equilibrar sua
cabeça quando
se atenta con-
tra seu direito
à vida inin-
terrupta.
Era tanto
sangue, que se
misturava com
tanto suor, que
meu esforço se
fez inútil. Lá ia
ela: pelo cami-
nho prenuncia-
do, minha cabe-
ça rolou e bateu
no chão com
jeito de quem
não volta mais.
Germinava em
mim a dúvida
induzida pelo
jato
tóxico
daqueles ho-
mens viris.
17
Roberta Siral © 2017