Jornal do Clube de Engenharia Junho de 2017 | Page 3

JUNHO DE 2017 TELECOMUNICAÇÕES Sociedade perde com a mudança de rumo nas telecomunicações Histórico de privatizações e políticas ineficientes para o setor geram números preocupantes na oferta dos serviços Ações recentes do governo federal tornam indispensável o debate acerca da soberania nacional. O Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC), lançado no dia 4 de maio último, é um dos alvos da vez. Orçado em R$2,7 bilhões, deveria levar a Internet de banda larga, através da estatal Telebras, para escolas, hospitais, postos de fronteira e outras áreas remotas ainda não conectadas à rede, mas agora o governo quer privatizar até 80% da capacidade do equipamento, entregando-o às grandes multinacionais de telecomunicações, lideradas pela Vivo, Tim, Claro e Oi. Para Marcio Patusco, conselheiro do Clube de Engenharia e subchefe da Divisão Técnica de Eletrônica e Tecnologia da Informação (DETI), esse movimento está ligado a um histórico de desnacionalização da economia no Brasil. O engenheiro foi um dos palestrantes do 3º Encontro Nacional pelo Direito à Comunicação (ENDC), realizado na Universidade de Brasília (UnB) em 27 e 28 de maio. “É importante trazer o histórico da desnacionalização, desde os anos de 1980, e as consequências para a indústria, serviços de telecomunicações e soberania nacional”, diz ele. Onda neoliberal Patusco destaca três momentos importantes para entender o processo. O primeiro é o pós-golpe de 1964, com forte nacionalização, que criou estatais como Embratel e Telebras. O segundo é 1990, quando o governo Fernando Collor facilitou a entrada de capitais externos, abolindo a proteção ao Propostas Acesso com qualidade à Internet é impactado com histórica política de desnacionalização nas telecomunicações. nosso mercado. O terceiro é 1995, com o governo Fernando Henrique Cardoso e a onda neoliberal de privatizações em diferentes setores, como mineração, distribuição de gás e telecomunicações. Dados da consultoria KPMG dimensionam esse movimento como crescente até hoje: em 2004, por exemplo, foram 69 as empresas desnacionalizadas, número que subiu para 292 empresas em 2014. O resultado é uma diminuição acentuada da participação da indústria nacional no mercado interno. Nas telecomunicações, a desnacionalização ganhou força com o leilão, em 1998, das empresas que formavam o sistema Telebras. A participação de empresas nacionais no setor caiu de 77% em 1988 para menos de 3% atualmente, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Deficiências no setor privado Apesar da importante ampliação do mercado de telefonia após a privatização, o setor privado falha no fornecimento de serviços de qualidade para a população. As operadoras Claro, Vivo e Tim, subsidiárias de empresas estrangeiras, ocuparam o topo do ranking de reclamações da Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon-SP) em 2016. No fornecimento de Internet à população, serviço que tem se tornado cada vez mais essencial à sociedade, vemos a estagnação do avanço das conexões domiciliares (50% em 2014 e 51% em 2015). São evidentes, ainda, as disparidades sociais, regionais e econômicas (97% da classe A conectada e apenas 16% das classes D e E), segundo dados da pesquisa TIC Domicílios, do Comitê Gestor da Internet no Brasil. O Plano Nacional de Banda Larga (2010-2014), principal política pública federal para enfrentar essas disparidades, recebeu críticas pela baixa qualidade da Internet popular oferecida pelo programa, e por não ter cumprido metas. Marcio Patusco entende que urgem mudanças regulatórias para permitir melhores condições no provimento dos serviços de telecomunicações à população. “É necessário estabelecer uma política industrial e de incentivo à indústria nacional, envolvendo poder público e sociedade. A regulamentação de telecomunicações, proposta sem discussão pelo Legislativo através do PLC 79/2016, e a privatização do satélite da Telebras só irão agravar o quadro atual”, critica. O PLC 79/2016, caso aprovado, permitirá que o governo transforme as atuais concessões de telecomunicações, submetidas a várias obrigações legais, em autorizações, onde inexistem obrigações, por exemplo, para investimento em universalização de serviços. “Os serviços prestados pelas empresas de telecomunicações privadas apresentam resultados insatisfatórios. É preciso estimular a participação dos pequenos provedores, além de determinar melhor controle dos parâmetros de qualidade dos serviços”, finaliza Patusco. O conselheiro cobra, ainda, a correta aplicação dos fundos setoriais, há anos utilizados pelo governo federal para formar superávit primário, e a definição de metas que visem à diminuição das disparidades regionais e sociais na oferta dos serviços. Leia mais: bit.ly/patusco 3