Jornal do Clube de Engenharia 608 (Novembro de 2019) | Page 3
novembro DE 2019
Telecomunicações
A nova regulamentação nas telecomunicações
nacionais: acentuação das desigualdades
Por Marcio Patusco, Conselheiro do Clube de Engenharia, Membro da Comissão Executiva da Divisão Técnica de Ciência e Tecnologia (DCTEC)
Ao ser aprovado pelo Senado Fede-
ral e sancionado pela Presidência da
República em 03/10/2019, o PLC
79/2016, pela Lei 13.879/2019,
estabeleceu uma nova regulamentação
para as telecomunicações nacionais.
Todas as concessões de telecomunica-
ções, responsáveis pela universalização
da telefonia fixa com tarifas módicas,
qualidade e continuidade controladas,
serão extintas, passando para autori-
zações, com muito menos obrigações
aos prestadores de serviços e repassan-
do toda infraestrutura de suporte das
telecomunicações para as atuais con-
cessionárias. Mesmo sendo essencial
ao exercício da cidadania pelo Marco
Civil da Internet, o serviço de acesso
à banda larga, atualmente considerado
inadequado no Brasil por diversas
organizações de rankings internacio-
nais, será deixado à exploração pelo
mercado sem as responsabilidades
características das concessões. Des-
cortina-se, dessa forma, um cenário
de acentuação das desigualdades
regionais e sociais no provimento dos
novos aplicativos que surgirão dentro
do escopo das cidades conectadas e do
“tudo pela internet”.
A história de atuação do Clube de
Engenharia nas telecomunicações,
através da Divisão Técnica de Ele-
trônica e Tecnologia da Informação
(DETI), remonta ao período estatal
da Telebrás, e posteriormente ao
período pós-privatização. Partici-
pando das Comissões Brasileiras de
Comunicações (CBTs da Anatel)
já evidenciávamos a necessidade de
mudanças na Lei Geral de Teleco-
municações (LGT) no sentido de
trazer o foco da regulamentação para
o serviço de banda larga. Participa-
mos da Conferência de Comunica-
ções (Confecom) ocorrida em 2009,
acompanhamos o fracasso do Plano
Nacional de Banda Larga lançado
em 2010, e, juntamente com outras
entidades da sociedade civil, apre-
sentamos, em 2013, ao Ministério
das Comunicações e à Anatel, uma
proposta para universalização do
acesso à internet. Participamos de
audiências e consultas públicas sobre
diversos aspectos da regulamentação
e acabamos por ser indicados para
o Conselho Consultivo da Anatel,
apoiados por mais de quarenta en-
tidades da sociedade civil, e poste-
riormente eleitos pelos pares deste
Conselho para a presidência em um
mandato de três anos.
Temos apresentado inúmeras contri-
buições às entidades governamentais
para melhoria dos serviços, base-
ados na experiência de gestão em
operadoras tanto na época estatal
como depois da privatização. Mais
recentemente adotamos uma postura
crítica aos caminhos escolhidos, por
entendermos que o mercado não vem
dando respostas adequadas à socieda-
de. Em fóruns de discussão, em even-
tos, artigos na imprensa e em nosso
portal (*), audiências e consultas
públicas, procuramos evidenciar as
deficiências que os serviços apresen-
tam e os acertos gerenciais necessá-
rios. Ombreados com entidades da
sociedade civil, propusemos politica-
mente mudanças de regulamentação
que alavancassem o setor no caminho
da inclusão digital e no oferecimento
de melhores condições ao cidadão de
exercer seus direitos.
Alberto Adan
Essencial ao exercício da cidadania, o serviço de acesso à banda largaserá deixado à exploração pelo
mercado sem as responsabilidades características das concessões.
No entanto, as mudanças aprova-
das pelo PLC 79/2016, sempre mal
discutidas no legislativo, tomaram
um rumo temerário para o qual te-
mos evidenciado os altíssimos riscos
associados aos problemas de controle
da Anatel e à falta de planejamento
adequado pelo Ministério da Ciência
Tecnologia Inovação e Comunica-
ções, da possível perda de soberania
do governo na escolha dos futuros
caminhos das telecomunicações
nacionais, e que poderão vir a gerar
judicializações. Estes riscos já vinham
sendo colocados também pelo Tri-
bunal de Contas da União – TCU –
desde 2008, que acabou por condená
-lo completamente pelo seu recente
acórdão 2.142/2019, de 11/09/2019,
reforçando a incapacidade de valora-
ção dos bens reversíveis do serviço de
telefonia fixa – infraestrutura de de-
zenas de bilhões de reais que suporta
os serviços em todo o país – , e que
invalida toda a sistemática de cálculo
contida no PLC 79/2016.
Apesar destas inconsistências, o
governo aponta na direção dos enca-
minhamentos da nova lei, e vem tra-
balhando em um decreto que irá es-
tabelecer os diversos desdobramentos
para a migração das atuais concessões
para autorizações. É espantoso que,
não obstante explicitamente desqua-
lificado pelo TCU, Anatel e MCTIC,
tratem este episódio como de me-
nor importância e não se debrucem
sobre seus impactos e, simplesmente,
o ignorem, sem se ater a possíveis
consequências judiciais. Dada as
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