Jornal do Clube de Engenharia 606 (Setembro de 2019) | Page 3

setembro DE 2019 Indústria Um olhar para a quase extinta indústria brasileira Em um longo processo de décadas, que atravessou governos com agendas completamente distintas, a participação da indústria no PIB do país foi caindo sistematicamente até o que o professor João Carlos Ferraz, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), chama de “processo de extinção”. Como reverter essa situação é um debate urgente que começa a tomar os corredores do Congresso Nacional. Segundo o professor e ex-vice-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que participou, em 04 de setem- bro, de mais um encontro da série “Brasil: Nação Protagonista”, esse não é um debate simples, uma vez que o Brasil vive um fenômeno particular e sem paralelos. “Em geral, a queda da participação da indústria no PIB está associada a um cresci- mento de renda, uma distribuição quase natural na qual os agentes econômicos vão se movendo na economia. Aqui é diferente: a participação no PIB cai quando a renda também não atinge nenhum grau associado a desenvolvimento, pelo contrário. É um fenômeno muito particular o caso brasileiro”, destaca Ferraz. Parcerias entre institutos de pesquisa e empresas serão fundamentais para colocar o Brasil no caminho do processo industrial hoje. Na foto, trabalho do Instituto de Química da UNB e da Embrapa: nanotecnologia capaz de incrementar a produtividade das plantas, aumentar o valor nutritivo dos alimentos, a substância Krill A32. O presente e o futuro O professor trouxe para debate os resultados de um estudo contratado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), realizado, em parceria, pela UFRJ e a Unicamp. O objetivo da pesquisa, que acompa- nhou mais de 800 empresas, era pensar a compe- titividade da indústria brasileira considerando um conjunto de tecnologias que entrarão no regime da atividade industrial, bem como seus impactos sobre setores específicos como a indústria da defesa, têxtil, eletrônica, automobilística, química, agroin- dústria e siderúrgica, entre outras. O resultado da pesquisa apontou para um fu- turo – e em alguma medida, para um presente – centrado em tecnologias disruptivas. “Em até 10 anos, todos os setores industriais sofrerão um impacto disruptivo de um conjunto enorme de tecnologias. Alguns estão acontecendo agora”, destaca o professor, lembrando que elas têm em comum características que precisam ser obser- vadas para se entender o quadro geral: “o custo dessas tecnologias cai em uma velocidade espan- tosa, elas têm aplicabilidade ampla e uma oferta crescente. A natureza dessas transformações é muito séria”, afirmou. Processo de “servitização” O neologismo foi usado por Ferraz para apontar outra tendência que é cada vez mais forte na in- dústria mundial: a venda de serviços, para além do produto. “A participação de atividades de serviços é crescente e a composição dos serviços no valor agregado das empresas tende a crescer”, comenta. Para exemplificar a tendência, o professor cita o novo caminhão autônomo vendido pela Volvo. O caminhão vem com todos os componentes eletrô- nicos necessários para que sua autonomia seja real. O serviço da autonomia, porém, é alugado pela Volvo aos que compram o seu caminhão. “Cada vez mais as empresas buscam apresentar soluções para problemas das pessoas, seja por manufaturados, seja por meio de serviços”, destaca. Perspectivas para o Brasil No Brasil, um país que avança lento em com- paração ao resto do mundo, ainda estamos em uma fase em que três tipos de empresas dividem o mercado. O menor grupo é daque- las que estão na fronteira da tecnologia. Estas poucas terão como desafio se manter nessa po- sição e devem seguir próximas aos institutos de pesquisa para se garantir na corrida tecnológi- ca, especialmente porque lidam com a inexis- tência de qualquer incentivo público para que possam avançar na fronteira tecnológica. Um segundo grupo é de empresas que estão na fronteira da produtividade, da eficiência. O desafio nesse caso será encontrar cami- nhos para sair do espaço da eficiência e dar o salto para o domínio da tecnologia. Por fim, há empresas que correm atrás do atraso lentamente. “Aqui estão as micro, pequenas e médias empresas, com baixa capacitação e alheias à violência que se aproxima de cima”, alerta o professor. Com um cenário bastante desfavorável, já seria difícil acompanhar o ritmo do resto do mundo se houvesse no Brasil uma cultura e um esforço verdadeiro no sentido da mo- dernização do nosso já quase extinto parque industrial, mas nem isso há. “Não acho que o assunto ‘política industrial’ vá encontrar ter- reno hoje no Brasil, dada a conjuntura que atravessamos, pela postura das autoridades econômicas, pela disposição efetiva dos atores econômicos em colocar outras temáticas em prioridade”, destaca o professor, e vai além: “Não vejo um ânimo visceral, intrínseco ou conjuntural para que haja maior tração na indústria. O governo tem uma visão liberali- zante e quando a crença na força do mercado prevalece, os espaços para o debate de estraté- gias produtivas são muito estreitos”, lamenta. A esperança de João Carlos Ferraz está nos jovens, que podem mexer nessa lógica e mu- dar os rumos se conseguirem ir além da en- xurrada de informações a que são expostos constantemente. “Há um poeta, T.S. Eliot, que tem um poema que fala muito bem sobre essa questão, em um verso que diz ‘Onde está o conhecimento que perdi em informação? E onde está a sabedoria que perdi em conheci- mento?’ ”, finalizou. 3