Jornal do Clube de Engenharia 605 (Agosto de 2019) | 页面 3

agosto DE 2019 Agricultura Estratégias de um mundo em transformação O Brasil passou por uma grande transformação nas últimas décadas: o agronegócio se consolidou como o setor mais dinâmico da economia brasileira nos últimos 40 anos e hoje corresponde a 21% do PIB nacional, além de gerar 20% dos empregos e responder por 42% das exporta- ções. Além de criar um setor forte, com alto investimento de capital e tecnologia de ponta, as políticas públicas – com destaque ao trabalho desenvolvido pela Embrapa – tam- bém consolidaram uma agricultura familiar que, além de empregar signi- ficativo contingente de mão de obra, representa hoje 70% dos alimentos consumidos no país. A exportação de produtos primários, segundo Pedro Celestino, presidente do Clube de Engenharia, não pode ser vista como algo pobre. “Nós tivemos taxas de desenvolvimento chinesas entre as décadas de 1950 e 1980. Depois disso, estagnamos do ponto de vista industrial. O país não entrou em colapso por conta do de- Divulgação Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura sempenho de sua agricultura. A força econômica americana nos séculos XIX e XX, por exemplo, foi dada es- sencialmente por sua agricultura. Foi essa condição de celeiro do mundo que viabilizou a expansão industrial americana. Essa é uma lição históri- ca”, defendeu Celestino. A fala do presidente abriu a palestra “Agricultura Brasileira”, no último dia 11 de julho, no Clube de Enge- nharia. Parte da série de palestras Brasil: Nação Protagonista, o evento contou com a mediação de Agos- tinho Guerreiro, ex-presidente do Clube e do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Rio de Janeiro (Crea-RJ). As exposições foram apresentadas pelo ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues e pelo sociólogo e presidente do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econô- micas (Ibase) Cândido Grzybowski. Protagonismo brasileiro A agroindústria é estratégica em um mundo em mudança. Com maior expectativa de vida, acelerada urbanização, mudanças climáticas, falta de lideranças locais e globais e sem direção, o mundo se preocupa com a segurança alimentar. “É um tema universal e gerou demanda na própria ONU. No começo do século XXI, ela passou a tratar do assunto, com planos mirando em 2050. Isso aconteceu porque a organização que busca manter a paz no mundo enten- deu que não haverá paz onde houver fome”, explicou o ex-ministro. O papel do Brasil nesse esforço mundial pela garantia da segurança alimentar é importante. A oferta de alimentos precisa crescer 20% no mundo em dez anos. A parte do Bra- sil nessa conta exige um crescimento nacional de 41%. É uma demanda externa inédita, mas é possível chegar lá apenas porque o país vem garan- tindo a saúde de um tripé funda- mental: mão de obra qualificada, terras disponíveis e, principalmente, tecnologia. É essa última que garante a produção de grãos em um país que, diferente do que diz o senso comum, tem apenas 7% de terras boas para plantio, mas que transforma terra ruim em produtiva graças à pesquisa aplicada. Os números são definitivos e provam que a agroindústria está ancorada na ciência. “A área plantada cresceu, do Plano Collor até hoje, 66%. Já a produção agrícola cresceu 313% no mesmo período, graças a um forte investimento em pesquisa. A tecno- logia tropical garantiu que a produ- tividade aumentasse sem precisar de mais terras. Caso ela fosse a mesma da época de Collor, precisaríamos de mais 93 milhões de hectares para termos a produtividade que temos hoje”, ressaltou Rodrigues. Agência Brasil Cândido Grzybowski, presidente do Ibase Desafios pelo caminho Justamente por ser tão relevante para o país, o debate cruza ques- tões sociais importantes. Justiça social e sustentabilidade estão diretamente ligadas ao tema e Cândido Grzybowski destacou a necessidade de se pensar so- bre as lógicas que definem quem produz o alimento, como eles chegam à mesa, quem come e quem não come e os tipos de relações econômicas envolvidas no processo. “Falta qualificar o ‘agro é tech, agro é pop, agro é tudo’. A realidade agrária do país vai além e as soluções precisam ser pensadas de forma que não levem à concentração de renda”, destacou o presidente do Ibase. Não é um desafio simples. A própria relação com a natureza precisa ser repensada. Dominá-la e explorá-la, da forma com que o ocidente vem fazendo, não aponta para um futuro possível, sustentável. “Não existe vida sem troca com a natureza. É impossí- vel falar em justiça e direitos hu- manos sem falar de justiça com a natureza, da integridade do planeta para gerações futuras”, destaca o presidente do Ibase. “Precisamos ir além do desen- volvimento que está associado a uma ideia de crescimento e lucro sem limites na nossa sociedade”, aponta. O evento foi transmitido pela WebTV do Clube de Engenharia e pode ser assistido na íntegra pelo link https://www.youtube.com/ watch?v=jID8Fs9ttJQ. 3