Jornal do Clube de Engenharia 603 (Junho de 2019) | Page 3
Junho DE 2019
cidades
Avenida Niemeyer: soluções técnicas para
um problema centenário
Ligando os bairros de Leblon e São
Conrado, a Avenida Niemeyer já
completou 100 anos. Construída por
Conrad Jacob Niemeyer, fundador do
Clube de Engenharia, foi projetada
para ser uma ferrovia, mas concluída
como uma estrada de rodagem em
1916. De lá para cá, o Rio de Janeiro
é outra cidade. Com as fortes chuvas
e ressacas, a Niemeyer vem passan-
do por interdições constantes: entre
outros problemas graves, destacam-se
as repetidas quedas, desde 2016, de
partes da Ciclovia Tim Maia e, no
último dia 16 de maio, deslizamentos
de terra. Decisões do executivo mu-
nicipal e do judiciário interditam e
reabrem a via, causando insegurança
nos cariocas tanto sobre a segurança
quanto sobre a possibilidade de se
utilizar a Niemeyer.
Para o presidente da Associação
Profissional dos Geólogos do Esta-
do do Rio de Janeiro (APG-RJ) e
conselheiro do Clube de Engenharia,
Renato Rodriguez Cabral Ramos,
as condições da favela do Vidigal,
desprovida de pleno recolhimento
de lixo e coleta de esgoto, podem ser
causas da degradação ambiental que
favorece a ocorrência dos desastres,
assim como as chuvas extremas. “Os
processos físicos e biológicos são
dinâmicos. A população se instalou
ali em cima, e a via não está na mes-
ma situação que no início do século
passado”, afirmou.
Renato Ramos cita a competência da
Fundação Instituto de Geotécnica do
Município do Rio de Janeiro (Funda-
ção Geo-Rio), responsável pela con-
tenção de encostas da cidade desde a
década de 60. A situação da Geo-Rio
preocupa Renato no que se refere
ao Morro Dois Irmãos e a outras
encostas da cidade, que precisam ser
monitoradas por entidades qualifica-
das para evitar desastres. “O que está
A história ajuda a explicar os problemas atuais: a Niemeyer foi construída sem estudo de engenharia,
área que no início do século XX ainda não era tão avançada no Brasil.
acontecendo no Rio de Janeiro é que o
órgão que está acontecendo no Rio de
Janeiro é que foi esvaziado e perdeu
credibilidade o órgão que historica-
mente cuidava de nossas encostas,
resolvia os problemas e emitia laudos”.
O engenheiro civil Francis Bo-
gossian, presidente da Academia
Nacional de Engenharia (ANE) e
ex-presidente do Clube de Enge-
nharia, também elogia o trabalho da
Geo-Rio, que considera “uma das
melhores empresas do mundo na
área de prevenção e tratamento de
encostas”, e afirma necessidade de
expandir para todo o Estado e o país
instituições como essa para prevenir
acidentes em nos municípios. Fran-
cis aponta como o melhor caminho
para se enfrentar o problema dos
deslizamentos a adoção do tratamen-
to passivo, baseado em evitar que o
desastre ocorra. No entanto, lamenta
que o usual seja o tratamento ativo:
tentar consertar o problema depois
que o desastre ocorre ou quando já
há fortes indícios de instabilidade. O
engenheiro citou, ainda, a existência
de um projeto de túnel para ligar
Leblon e São Conrado, que não foi
executado por falta de verba, mas que
seria uma solução mais segura do que
depender da Niemeyer e do túnel
Zuzu Angel, que também não está
com a manutenção em dia.
Na mesma linha, o engenheiro civil e
conselheiro do Clube de Engenharia
Márcio de Queiroz Ribeiro, acredita
que é preciso monitoramento inte-
ligente para viabilizar a utilização
da avenida e pensar, a longo prazo,
um novo túnel. Queiroz alega que a
encosta do Dois Irmãos ficou fragi-
lizada com a ocupação por moradias
da favela do Vidigal em virtude da
falta de coleta de esgoto. Na visão do
engenheiro, a Niemeyer não se mostra
perigosa o tempo todo: o maciço do
Dois Irmãos só se torna frágil após
dias de encharcamento por chuva. Em
boas condições de tempo a avenida é
segura. Ele acredita que se deva apro-
veitar os períodos secos para otimizar
o monitoramento da encosta, insta-
lando sensores que possam identificar
condições adversas e orientando ações
como a interdição da via.
Com foco no Planejamento Urbano,
a engenheira civil Eva Vider, mestre
e doutora em Engenharia de Trans-
portes, avalia que a prioridade para a
Avenida Niemeyer seja a estabiliza-
ção da encosta. Mas acredita que sua
interdição é um bom momento para
pensar sua função. Para Eva Vider, a
Niemeyer poderia ser transformada
em uma via turística, além de dar
acesso apenas aos moradores dos
bairros mais próximos. Vê como uma
evolução transformar a Niemeyer em
ponto turístico e, ao mesmo tempo,
otimizar a mobilidade urbana da
região e, por extensão, da cidade,
executando a Linha 4 do metrô. Ela
concorda com o projeto de se fazer
um túnel que conecte os bairros,
mas não para carros e sim para uma
quantidade muito maior de pessoas,
no metrô. “Considero que qualquer
obra de infraestrutura nos dias de
hoje que venha a privilegiar o uso
do automóvel só vai piorar a mobili-
dade da cidade como um todo. Nós
temos que priorizar a infraestrutura
do transporte público. Um metrô
iria favorecer a qualidade de vida da
cidade”, defendeu.
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