Jornal do Clube de Engenharia 601 (Abril de 2019) | Seite 3
abril DE 2019
RIO DE JANEIRO
Enchentes: um problema sem solução?
Só nos dias 8 e 9 de abril, foram 10
casos fatais registrados nas zonas
Oeste e Sul, regiões severamente cas-
tigadas pelo temporal, com milhares
de desabrigados. O problema é pauta
permanente de especialistas cons-
cientes de que não são casos isolados,
e que soluções existem. Dispostos
a aprofundar o debate de forma a
avançar na construção de políticas
públicas que previnam as “tragédias
anunciadas”, profissionais das diver-
sas áreas da Engenharia se mobili-
zam, apontam soluções concretas e
propõem alternativas para eliminar
riscos e minimizar desastres.
Em meio aos debates surge a ques-
tão: seria a chuva a responsável
pelas enchentes, alagamentos e
deslizamentos? A resposta para o
engenheiro civil Francis Bogossian,
especialista em Mecânica dos Solos,
das Rochas e Barragens é “Não”.
Bogossian defende um amplo e
longo projeto de Reforma Urbana
que envolva planejamento, estudo
e foco no bem-estar da população.
O especialista, que é presidente da
Academia Nacional de Engenharia
(ANE), vice-presidente do Conselho
Regional de Engenharia e Agrono-
mia (CREA-RJ) e ex-presidente do
Clube de Engenharia, critica os go-
vernos, em todas as suas esferas, que
não fazem prevenção de catástrofes
de forma a evitar despesas e pro-
blemas bem maiores. “Já discutimos
muito no Clube de Engenharia sobre
projetos de prevenção. Já fizemos
simpósio com engenheiros florestais,
geólogos, geotécnicos. Até carta à
presidência da República, com um
plano de proteção contra enchentes,
alagamentos e escorregamento de
encostas já fizemos, mas, na prática,
nada acontece”, lamenta.
O papel da engenharia
O Conselheiro Vitalício do Clube de
Engenharia, Jorge Rios, entende que
é preciso levar em conta a especifici-
dade de cada caso de enchente, já que
as soluções envolvem planejamento.
“Tem obras de caráter pontual, que
abrangem limpeza, desobstrução, ma-
nutenção do sistema de drenagem, etc.
Essas têm que ser tocadas de maneira
contínua”. Na sua ótica, é possível
melhorar o cenário, mas jamais vai
se chegar ao risco zero. Até porque
ocorrem mudanças nas cidades, como
sua expansão, por exemplo, a todo
instante. “Para cada problema existem
soluções diferentes. Para planejá-las
existe a engenharia”, resume.
A visão do diretor de Atividades
Administrativas do Clube de Enge-
nharia, engenheiro civil Luiz Carnei-
ro, é de que “os repetidos desastres
causados pelas chuvas no Rio são
o combustível de uma engrenagem
com raízes históricas: incapacida-
de administrativa, burocracia, falta
de interesse político e as chamadas
‘obras emergenciais’, que gastam mais
que obras de prevenção”.
Luiz Carneiro cita o “túnel extrava-
sor”, um projeto antigo, com obras
iniciadas em 1973 e retomadas em
1989, que captaria as águas exceden-
tes e as conduziria para o mar, con-
templando Jardim Botânico, Gávea
e Praça da Bandeira. Do túnel, 1.500
metros estão prontos e a obra parali-
sada. A captação funcionaria a partir
das águas excedentes que transbor-
dam dos rios Joana, Maracanã, Trapi-
cheiros, Macacos, Rainha I e Rainha
II até transportá-las pelo túnel para
o despejo final em mar aberto, no
Costão do Vidigal. Defendido pelo
Clube de Engenharia, o projeto
inicial também contemplaria a Praça
da Bandeira e Maracanã, regiões que
hoje já não sofrem tanto com alaga-
mentos devido à construção de um
Entre discursos vagos e a
transferência de responsabilidade
das autoridades, as fortes chuvas
na região metropolitana do Rio
de Janeiro causaram mortes
e prejuízos incalculáveis à
população e à cidade.
Alagamento na Rua Jardim Botânico após as chuvas que atingiram o Rio de Janeiro
piscinão, solução também abando-
nada. Carneiro propõe a reinserção
do projeto do Túnel Extravasor na
agenda da cidade. “Uma vez que já
foram solucionados os prejuízos ao
redor da Praça da Bandeira e do Rio
Maracanã, a continuação das obras
na Zona Sul causa menos prejuízos à
população, pois o projeto é de cons-
trução subterrânea”.
Procedimentos e
recomendações
Para o engenheiro e Conselheiro
Vitalício do Clube de Engenharia,
Affonso Canedo, estamos tratando
de fenômenos históricos. “As fortes
chuvas são fenômenos cíclicos, e nem
sempre é possível nos protegermos
de situações extremas, mas faz parte
da história urbana o embate com as
forças da natureza, criando-se proce-
dimentos para evitar derrotas, como
o cuidado com a ocupação das encos-
tas, a preservação dos mananciais e
dos talvegues e a fiscalização rigorosa
com relação aos desmatamentos”,
recomenda. Canedo também defen-
de, além do desenvolvimento de um
Plano Diretor de Drenagem Pluvial,
uma boa campanha de educação das
comunidades, em geral, quanto ao
destino do lixo urbano, considerando
urgente a retomada de um Plano
integrado de Planejamento Urbano.
“Se não for retomado o planejamen-
to integrado contínuo, sob a respon-
sabilidade de uma equipe técnica
pública, como atividade de Estado
e não de Governo, a tendência do
Carioca é continuar vivendo em per-
manente estado de atenção e tensão,
aguardando a frequência cíclica das
chuvaradas, saudoso da época carac-
terizada como Cidade Maravilhosa”,
concluiu Canedo.
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