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SETEMBRO DE 2018
POLÍTICAS PÚBLICAS
Incêndio do Museu Nacional é fruto do descaso do poder público
As labaredas que consumiram o interior do Museu Nacional , no Rio de Janeiro , na noite de domingo 2 de setembro , levaram consigo 200 anos da mais antiga instituição científica do Brasil e mergulharam o país no luto pela cultura . Ainda de dimensão desconhecida , a destruição do acervo público de 20 milhões de itens chocou e foi notícia em todo o mundo . Entre os tesouros perdidos estão o fóssil com mais de 11 mil anos de Luzia , a mais antiga brasileira já descoberta , múmias egípcias e de povos americanos com mais de 4.000 anos de idade e enorme acervo paleontológico , antropológico e documental . Era o maior acervo do País e o maior museu de história natural da América Latina .
A tragédia vinha sendo anunciada com fatos que confirmam o descaso nacional com a ciência e a cultura . Sem registrar casos considerados menos graves , é importante resgatar nossa história recente . Em 2008 o Teatro de Cultura Artística , no centro de São Paulo , um dos mais tradicionais do estado , foi destruído pelo fogo . Em 2010 um incêndio atingiu o Instituto Butantan , na zona oeste de São Paulo , destruindo um dos principais acervos de cobras , aranhas e escorpiões para pesquisas do mundo e o maior do Brasil . Mais de 70 mil espécies conservadas foram queimadas . Em 2011 parte do Palácio Universitário da Universidade
Tomaz Silva , Agência Brasil / FotosPúblicas
Bombeiros tentam recuperar o pouco que sobrou do acervo de 200 anos da mais antiga instituição científica do Brasil .
Federal do Rio de Janeiro , desabou , destruindo a capela São Pedro de Alcântara , de 1850 , tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional ( IPHAN ). Em 2012 foi a Faculdade de Letras da UFRJ . Em 2013 o Memorial da América Latina em São Paulo . Em 2014 o Laboratório do Centro de Ciências e Saúde no Rio . Em 2015 o Museu da Língua Portuguesa . Em 2016 um incêndio no galpão da Cinemateca Brasileira , em São Paulo , destruiu rolos e rolos de filmes , consumindo 500 obras originais . Em 2 de setembro de 2018 o Museu Nacional virou cinzas .
Denúncias e gritos de socorro
Há anos funcionários e visitantes denunciavam problemas estruturais no prédio histórico do Museu Nacional , como infestações por insetos , goteiras e fiação elétrica sem manutenção . Em 2004 , após visita ao local , o engenheiro e então secretário de Energia , Indústria Naval e Petróleo do Estado do Rio de Janeiro , Wagner Victer , chegou a alertar : “ O museu vai pegar fogo . São fiações expostas , mal conservadas , alas com infiltrações , uma situação de total irresponsabilidade com o patrimônio histórico ”, disse Victer à época . Em 2017 o museu interditou uma das suas maiores salas por conta de um ataque de cupins , só resolvido depois que uma campanha de financiamento coletivo arrecadou 58 mil reais para pagar a dedetização .
Devido a cortes no orçamento de custeio e investimentos , desde 2014 a Universidade Federal do Rio de Janeiro ( UFRJ ), responsável pelo museu , não repassa integralmente os recursos necessários à manutenção do local . Em agosto deste ano , o reitor da UFRJ , Roberto Leher , publicou artigo no Jornal do Brasil denunciando as reduções sistemáticas no orçamento . “ Em 2015 as verbas da União autorizadas pela Lei de Diretrizes Orçamentárias ( LOA ) foram de R $ 341 milhões para o custeio e investimentos , sendo que R $ 53 milhões foram contingenciados . Em 2018 , o orçamento da União está reduzido para R $ 282 milhões . E novos cortes estão sendo anunciados ”, afirmou o reitor , lembrando que , com a situação , prédios novos estavam com construção interrompida e prédios antigos , sem a manutenção adequada .
O Museu Nacional foi atingido em cheio pela redução orçamentária . No ano passado foram repassados apenas 346 mil reais dos cerca de 530 mil reais necessários para sua manutenção . Em 2018 , no acumulado até abril , foram apenas 54 mil reais — o que significa que , se fosse mantido o ritmo do orçamento , o ano terminaria com só 162 mil reais repassados para a manutenção .
Em maio deste ano , quando o museu completou 200 anos , nenhum ministro de Estado esteve presente na comemoração . O diretor da instituição , Alexander Kellner , afirmou à imprensa que seriam necessários 300 milhões de reais , investidos ao longo de 20 anos , para que o prédio fosse completamente reformado a ponto de garantir a segurança dos visitantes e das peças do acervo . Em junho , o BNDES chegou a assinar contrato de financiamento de 21,7 milhões de reais para restauração do local , incluindo prevenção contra o incêndio , mas o dinheiro só seria liberado em outubro .
E , apesar de estrangulado pelo descaso , o Museu Nacional teve , em 2017 , um aumento de 60 % no número de visitantes — 192 mil pessoas — com relação ao ano anterior . Era também uma das mais importantes instituições de pesquisa do país , sede de Programas de Pós- -Graduação como o de Antropologia Social , referência internacional .
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