Jornal do Clube de Engenharia 584 (Novembro de 2017) | Page 6

www.clubedeengenharia.org.br O PAÍS Maior reserva subterrânea de água da América do Sul O Aquífero Guarani corre riscos reais, desde a sua contaminação até o uso desenfreado e o esgotamento do manancial, tudo isso em um mundo no qual, cada vez mais, multinacionais poderosas, como a Coca-Cola e a Nestlé, vêem a água como commodity, e não como direito de todos. Uma das preocupações imediatas é resultado da exploração predatória do aquífero. Segundo o professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Luiz Fernando Scheibe, “o grande problema é o uso localizado do aquífero. Vamos tomar como exemplo a cidade de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo. Essa cidade está localizada sobre uma área de afloramento do aquífero; uma parte tem cobertura pelo outro sistema aquífero, que é o Serra Geral. Em Ribeirão, estão fazendo uso tão intenso que, ao cabo de 50 anos de exploração, o nível da água dentro do aquífero já baixou mais de 60 metros, o que significa que a reserva disponível está diminuindo drasticamente”, destaca o professor. Contaminação definitiva 6 Embora esteja a cerca de mil metros de profundidade, o Guarani tem áreas de recarga nas quais o arenito se aproxima da superfície. Por esses pontos o manancial tanto é reabastecido como corre riscos. O professor Adacto Ottoni, conselheiro do Clube de Engenharia e coordenador do curso de pós- graduação em Engenharia Sanitária e Ambiental da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), explica as razões, alerta para a necessidade de controle social e aponta os perigos da contaminação, que pode condenar para sempre o aquífero. “Quando o esgoto cai no rio, ele tem capacidade de diluir e carregar, desembocando no mar. O rio contaminado lentamente vai se descontaminando à medida que o ciclo hidrológico avança e a chuva vai renovando a água do rio. No Com área total de 1,2 milhão de km², o aquífero é bastante heterogêneo, possuindo águas impróprias para consumo e águas de boa ou excelente qualidade. Ou seja, não é um recurso infinito e tão abundante quanto se pensa. caso dos aquíferos não funciona assim. Descontaminar um lençol freático é muito lento. A natureza precisa de séculos para renovar a água armazenada. Não cuidar do manancial é o que podemos considerar como o que há de mais perigoso”, explicou Adacto. O temor tem fundamento. Em 2016, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), da Universidade de Brasília (UnB) e da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) encontraram substâncias tóxicas na Lagoa do Saibro, em Ribeirão Preto, importante área de recarga do aquífero. Entre elas os compostos químicos cancerígenos, os Éteres Difenílicos Polibromados (PBDE, do inglês polybrominated diphenyl ethers). Adacto relembra outro caso emblemático no qual a pressa para resolver problemas ou fechar negócios pode colocar em risco bens naturais: a construção de um aterro sanitário, em Seropédica, exatamente em cima de um aquífero, o Piranema. “Se houver um vazamento de chorume em Seropédica, ele está condenado. Aquela licença não poderia ter sido concedida. Há poucos anos havia a tentativa de liberar a exploração do xisto no Brasil, algo que também pode contaminar os mananciais de águas subterrâneas”, alerta. Já no ano de 2015 o Jornal do Clube de Engenharia N° 553 (páginas 4 e 5) fazia esse alerta no artigo de Maria Glícia da Nóbrega Coutinho, geóloga do Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) e diretora do Clube de Engenharia, com o questionamento: Recursos hídricos no Brasil: escassez ou ausência de políticas públicas tecnicamente fundamentadas? Leia o texto em portalclubedeengenharia. org.br/arquivo/1429216095.pdf/ documentos. Direito vira produto Para além da contaminação e do uso irresponsável, outra sombra paira sobre os mananciais do Brasil e do mundo. Embora seja bem de interesse público e de uso comum