Jornal do Clube de Engenharia 584 (Novembro de 2017) | Page 4

www.clubedeengenharia.org.br CIÊNCIAS Apagão científico ameaça o presente e o futuro do país A política de austeridade instaurada em Brasília impactou o país. Somada ao congelamento do orçamento da União e ao limite da inflação por duas décadas, o que se desenha é um horizonte dramático. A ciência nacional, setor intimamente ligado à capacidade de desenvolvimento soberano de qualquer país, vem sofrendo perdas consideráveis nos últimos anos no Brasil e, hoje, agoniza. Em 2017, o orçamento federal destinado à ciência sofreu um corte de 44%, deixando o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) com a menor quantidade de recursos dos últimos 12 anos. Foram 15,6 bilhões de reais em 2016, contra 8,7 bilhões neste ano. Desse número, o que realmente sobra para financiar as pesquisas de ce rca de 300 mil cientistas brasileiros é algo em torno de 3 bilhões de reais. Enquanto o país testemunha talvez o maior êxodo de pesquisadores para o exterior, os cortes aumentam. O desmonte do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, unificado com o Ministério das Comunicações, ajuda a completar um cenário que pode comprometer definitivamente o futuro do país. O absurdo reverberou mundo afora e foi notícia na Nature, uma das mais respeitadas publicações científicas do mundo. (Veja em bit. ly/demotion-science-brazil). A escalada dos reflexos negativos dos cortes se acelera à medida que laboratórios, espaços em todo o mundo de total prioridade governamental, começam a viver “à míngua”. Sem água e luz, equipamentos dos mais simples levam meses sem conserto e projetos de pesquisa em diversas áreas são paralisados. Segundo Ildeu de Castro Moreira, 4 professor do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a queda do orçamento é drástica. “O orçamento do MCTIC é de 2,5 bilhões hoje. Em 2010, era de 10 bilhões. O corte deste ano é muito significativo porque, com a aprovação da Emenda Constitucional 95, o congelamento do orçamento para o setor acontece em seu pior momento nos últimos anos. Um orçamento pelos próximos 20 anos, tendo como problema pode voltar a se repetir nos próximos anos, a menos que bolsas sejam definitivamente cortadas ou que meios sejam encontrados para garantir os compromissos assumidos com os pesquisadores. Histórico de superação A via-crúcis da ciência nacional não começou em 2017. A crise de 2013 já havia, na prática, impactado as contas, e começava a obscurecer um cenário que vinha de um período de fortalecimento. Em O sistema de ciência e tecnologia nacional, criado em 1951 com a fundação do CNPq, luta para sobreviver. Nas últimas décadas, o país conseguiu pular da 21ª para a 13ª posição no ranking mundial de produção científica. base o que foi executado em 2017, é uma catástrofe generalizada”, alerta o professor. No início de agosto, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) anunciou ter atingido o teto orçamentário do ano. Isso significa que a autarquia mais importante no que diz respeito ao fomento à ciência no país correu o risco de não pagar as mais de 100 mil bolsas de pesquisadores entre setembro e janeiro do próximo ano. O momento dramático foi adiado graças a uma portaria do governo federal, que liberou recursos descontingenciados da União. Com o orçamento congelado, porém, o 2016, o orçamento apresentado em setembro ao Congresso Nacional previa um corte de 24% para o MCTI em comparação com o ano anterior. Previa, ainda, a diminuição de bolsas e o encerramento do programa Ciência sem Fronteiras. Em maio do mesmo ano, o governo havia cortado 2 bilhões de reais do ministério. Desde então, não são poucos os entraves para a ciência brasileira. Além dos investimentos deficitários e cada vez menores, a burocracia para a importação de material, alocação de recursos e manutenção de equipamentos agrava o quadro. Não é incomum que a compra de uma peça de reposição, um corante, cobaias ou algum produto necessário em determinada pesquisa trave e atrase os projetos em meses enquanto são aguardadas a liberação de verbas, as rubricas necessárias ou aprovação da Advocacia-Geral da União. A luta pela desburocratização do setor não é nova. Entre as bandeiras da SBPC está a regulamentação do Código de Ciência, Tecnologia e Inovação, aprovado em 2015, que periga se tornar inútil em diversos pontos graças ao que o professor Ildeu caracteriza como uma visão “miúda, estreita e burocrática da ciência”. “O MCTIC vem impondo restrições estapafúrdias que vão contra o espírito e o objetivo da lei aprovada e da própria Constituição. Já lidávamos com esse problema. Agora lidamos com ele e com a falta de recursos”, critica o presidente recém-eleito da SBPC. Apesar dos muitos pesares, o sistema de ciência e tecnologia nacional, criado em 1951 com a fundação do CNPq, luta para sobreviver. Nas últimas décadas, o país conseguiu pular da 21ª para a 13ª posição no ranking mundial de produção científica. Com um investimento massivo na ciência como carro- chefe de governos anteriores, o setor avançou. Enquanto a ciência de base era desenvolvida a todo vapor na academia, na área da Defesa projetos como o Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub), que está construindo o primeiro submarino atômico brasileiro, floresceram