Jornal do Clube de Engenharia 566 (Maio de 2016) | Page 3

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MAIO DE 2016
ENTREVISTA : FRANCISCO CARLOS TEIXEIRA DA SILVA *

O setor da defesa no Brasil

Especialista em História Social do Brasil , com doutorado e pós-doutorado na Universidade Livre de Berlim , Alemanha , Francisco Teixeira é diretor do Instituto Pandiá Calógeras ( IPC ), órgão do Ministério da Defesa que produz análises e pesquisas , promove o diálogo e estimula a produção de conhecimento sobre temas de interesse da defesa nacional . Neste processo , contribui para adensar a relação entre civis e militares de maneira permanente e estruturada . Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Universidade Cândido Mendes , defende , em entrevista ao Jornal do Clube de Engenharia , mais investimentos em produtos para uso civil e uma alíquota fixa do PIB para a área da defesa .
* Francisco Teixeira , diretor do Instituto Pandiá Calógeras , Ministério da Defesa
Qual a avaliação do ministério sobre o setor da defesa hoje ? Estamos trabalhando em três documentos fundamentais : 1 . a Política Nacional de Defesa , a grande matriz orientadora do setor , um documento mais conceitual ; 2 . a Estratégia Nacional de Defesa , mais ligada às necessidades imediatas das três Forças Armadas ; e 3 . o Livro Branco da Defesa , que é um apanhado geral do que está sendo pensado hoje no Brasil para o setor . Há um entendimento muito forte no ministério no sentido de pensar a defesa como algo que não se restringe a canhões , mas em sentido amplo , abordando elementos fundamentais para a integridade territorial , a soberania e o funcionamento das instituições . Hoje , quando pensamos defesa no país , vamos desde a capacitação de tecnologia de ponta até a qualidade da saúde .
Como evitar altos e baixos que vão de pouco investimento na década de 1990 até a priorização do setor na política industrial dos últimos anos ? Não podemos voltar a cometer os erros que foram cometidos durante o regime civil-militar de 1964 em diante . Naquele momento , se construiu grandes complexos industriais de finalidade puramente bélica . O resultado é que se perdíamos contratos no exterior ou se o governo parava de comprar , o setor encolhia a ponto de ser considerado inexistente nos governos Figueiredo , Sarney e Collor . A economia sofre ciclos e isso inviabiliza uma indústria puramente militar . É importante atender o mercado civil com produtos derivados e concorrer no mercado externo .
Qual seria um bom exemplo de empresa que alcançou esse patamar ? Mais uma vez cito a Embraer . Fundada em 1969 , ela entendeu a necessidade da indústria de defesa ser dual . Aprendemos da pior forma possível que a indústria de defesa deve ir desde o parafuso até o cockpit de um jato , mas mantendo-se capaz de fornecer produtos viáveis para consumo civil .
Os contratos governamentais que asseguram a transferência de tecnologia consideram a importância do domínio da tecnologia de ponta ?
Sem dúvida . Temos uma postura claramente contrária à compra de pacotes tecnológicos fechados . O acordo entre a Marinha e o governo da França nos parece modelar por implicar transferência de tecnologia e formação de pessoal na área . Neste momento , cerca de 190 firmas brasileiras estão com seus técnicos e engenheiros trabalhando na França , aprendendo como funciona todo o processo produtivo .
O programa do Submarino Nuclear vem desacelerando em função das crises econômica e política . Como atravessar momentos tão difíceis ?
Primeiramente é importante entender que o país precisa de defesa tanto em bons como em maus momentos do ciclo econômico . É uma questão permanente . Por isso , o ministro Aldo Rebelo está buscando a fixação da alíquota de 2 % do Produto Interno Bruto do país para a defesa . Países com PIBs muito mais atingidos pela crise , como a Rússia e a Coreia do Norte têm feito sacrifícios pela área da defesa .
Produzimos internamente o que precisamos para nos defender ? A questão da base industrial para a defesa é muito importante . Entendemos que , embora não seja possível construir no Brasil tudo que é necessário , já temos condições de suprir boa parte das demandas e necessidades internamente , via produção nacional . A Embraer , por exemplo , concorre em pé de igualdade com as multinacionais . Na indústria de defesa não letal , para uso em distúrbios civis , também nos destacamos como grande exportador .
Quais as perspectivas para o setor no Brasil ?
Em longo prazo , projetos de desenvolvimento de tecnologia e criação de uma forte base industrial . Para isso , temos que ter certeza que não haverá contingenciamento e por isso é tão importante fixar os 2 % do PIB para a defesa . É fundamental mantermos nossa política de defesa centrada na dissuasão . Há uma preocupação de que mudanças coloquem o país em sério risco e há setores no Congresso e em São Paulo que querem o fim da Unasul e , quem sabe , do próprio Mercosul . O Mercosul está em risco com uma possível destruição da defesa no Brasil . Isso levaria à destruição dos BRICS . Há forte interesse mundial nisso .

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