Empresas de aviação inovam para não morrer
Os aviões brancos e vermelhos da Avianca sumiram do céu. Em recuperação judicial, após a Páscoa a
empresa devolveu 18 das 25 aeronaves que a haviam tornado, em 2018, a quarta maior do mercado
brasileiro, com mais de 11 milhões de passageiros. Quem olha para o alto, porém, pode nem perceber.
No fim de março, o espaço aéreo foi ocupado por aviões brancos e vermelhos da Norwegian, que
passaram a voar do Rio de Janeiro para Londres, com passagens a partir de R$ 1 mil. Para apostar aqui,
a terceira maior companhia aérea low cost da Europa desistiu de atuar em Cingapura — um mercado
mais pujante e, por isso mesmo, disputado demais. “Estamos ampliando nossa malha global ao lançar
os voos mais baratos da Inglaterra ao Brasil e ao tornar a América do Sul acessível a ainda mais
consumidores”, disse o fundador, Bjørn Kjos, de 72 anos.A Norwegian tem o que faltou à Avianca:
ousadia. É uma low cost, nos moldes que consagraram a irlandesa Ryanair. Inova ao aplicar essa
fórmula a viagens de longa distância. De bagagens despachadas a refeição de bordo, tudo é cobrado à
parte. Mas apoiar-se no preço baixo tem custo. A aérea norueguesa anunciou o fim dos voos
para Cingapura, em setembro, uma semana após sua rival EasyJet baixar custos, ao firmar um acordo
com a Singapore Airlines. Desde então, a Norwegian perdeu 86% de valor de mercado, de US$ 1,4 bilhão
para US$ 200 milhões. Voar para o Brasil é uma aposta arriscada, mas evitar riscos, neste setor, não é
uma opção.O mercado mundial de aviação comercial se parece com seus aviões: grande (com receita
estimada em US$ 560 bilhões, em 2018), mas de sustentação permanentemente delicada. O lucro médio
por passageiro é inferior a US$ 7, e um quarto dos gastos se destina a combustíveis, sujeitos à cotação
internacional do petróleo. Por causa das condições instáveis, o mercado depende de contínuo ganho de
escala e inovação ininterrupta. Quem desacelera, começa a cair. Quem acelera na direção certa, porém,
pode voar muito alto. O número anual de passageiros tende a dobrar para 8,2 bilhões até 2037, segundo
a Iata, associação que reúne 290 empresas aéreas, responsáveis por 82% dos assentos no mundo. O
vento que impulsiona o setor sopra do Oriente: metade do crescimento virá da região Ásia-Pacífico.
Nessa área ficam quatro dos cinco países com maior previsão de aumento nominal de
passageiros: China, Índia, Indonésia e Tailândia (o único intruso no top 5 são os Estados Unidos). Para se
tornar o maior mercado do mundo, os chineses deverão tirar do chão 1,6 bilhão de pessoas por ano
(266% mais do que em 2017). O Oriente Médio também vai crescer mais que América do
Norte, Europa e América Latina. Nossa região vai perder relevância no mercado global, mas as
tecnologias adotadas nos principais mercados vão chegar aqui.Uma frente de trabalho do setor é tentar
diminuir seu impacto ambiental. Em 2017, os voos comerciais produziram 2% das emissões de gás
carbônico do planeta. Um ambientalista vegano na ponte aérea pode fazer mais mal ao planeta do que
um fumante que preferiu ficar em casa, assando churrasco e bebendo refrigerante em canudinhos de
plástico. As empresas aéreas vão experimentar, a partir de 2020, um sistema global de compensação de
carbono de todo o crescimento do setor. Isso pode se tornar obrigatório em 2027. No longuíssimo prazo,
o compromisso é até 2050 reduzir as emissões ao nível de 2005. Para sustentar-se no ar até o próximo
trimestre e cumprir o plano de voo até 2050, as companhias aéreas precisam de mais cérebros. Por isso,
finalmente se abriram às startups. Em 2018, fundos de venture capital despejaram US$ 2,3 bilhões no
setor, segundo o site Crunchbase. Em 2018, a Iata criou o Gaps, um torneio de empreendedores. A cada
dois anos, desde 2008, a Airbuspromove com a ONU o Fly Your Ideas, aberto a universitários. Em abril, o
concurso premiou a Universidade de São Paulo pelo projeto do Retrolley, um carrinho de refeições que
separa o lixo no momento em que o recolhe. A medida simples alivia um problema imenso: a aviação
produz 5 milhões de toneladas de resíduos, e isso deve dobrar até 2030.Além da gestão ambiental,
empresas aéreas têm de dar solução a outras novas demandas. Companhias da Ásia e do Oriente Médio
avançam na arquitetura das cabines, a fim de atender a hábitos culturais distintos e conquistar os novos-
ricos. Operadoras europeias e americanas se destacam pelo desenvolvimento de motores e aeronaves,
com parceiras como Airbus, Boeing, Rolls-Royce e GE. O Brasil tem mercado menor, mas público
conectado e disposto a compartilhar dados pessoais. Líderes no país, Gol, Latam e Azul investem em
aplicativos e inteligência artificial para tornar o atendimento mais personalizado e conveniente — além de
menos custoso para as empresas. Em maio, a Gol estreia no aeroporto internacional do Rio de Janeiro
o embarque biométrico por reconhecimento facial. Num estudo preliminar, o tempo de entrada na
aeronave caiu de 19 minutos para 10. “Num mercado tão competitivo, trabalhamos para ganhar eficiência
na segunda casa depois da vírgula, mais ou menos como na Fórmula 1”, diz Paulo Palaia, CEO do Gol
Labs, braço de inovação da Gol. Entrar no avião sem apresentar cartão de embarque ou documentos é
um sonho de conveniência. A Gol prevê lançar este mês, no aeroporto internacional do Rio de Janeiro,
um totem de biometria facial: uma câmera registra parâmetros do rosto, como o tamanho de ossos e a
distância entre os olhos, que formam uma assinatura única e não se alteram — nem com as olheiras de
quem chegou para o primeiro voo do dia. A empresa brasileira adota essa tecnologia após a KLM, da Holanda,
e a Delta Airlines, dos Estados Unidos. Em 2017, foi a primeira a
liberar o check-in com uma selfie do passageiro, pelo aplicativo de
smartphone. “Aeroporto é estresse, no Brasil e em qualquer canto do
mundo. Estamos tentando reduzir os atritos”, diz Paulo Palaia, CEO
do Gol Labs. Com o totem, a Gol espera repetir os ganhos de
eficiência medidos pela aérea americana: reduzir o tempo de
embarque de 19 minutos para 10. “Cada minuto de atraso no
aeroporto custa, na média do setor, US$ 84”, diz Palaia. “A receita de
uma companhia aérea vem do avião voando, não pode ficar parado.”
https://epocanegocios.globo.com/Empresa/noticia/2019/05/empresas-de-aviacao-inovam-para-nao-morrer.html?utm_campaign=aeroclipping_-
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