Hatari! Revista de Cinema HATARI! #02 Teen Movies (2015) | Page 14
Um gênero específico tem a facilidade
invejável em propiciar uma experiência ge-
nuína a uma maioria esmagadora de seu pú-
blico. Algo de curioso acontece ao se assistir
um teen movie. A total indiferença e insensi-
bilidade ou a euforia e a pura tristeza, esses
são os efeitos que presenciei e que de certa
maneira definem a relação do público com o
gênero. A sensação que um teen movie deixa
em quem o assiste é sempre forte e honesta
independente da sua sensibilização ou não, e
essa honestidade vem da característica que o
define como gênero, a adolescência. Período
que todos passamos, e por assim ser enten-
demos (algo que foi usado como estratégia
mercadológica). Mas há mais na adolescên-
cia do que o um mercado a ser explorado.
Um exemplo muito caro quanto a inevitá-
vel parcialidade na experiência de um teen
movie é o final de Alguém Muito Especial
(Some Kind of Wonderful, 1987), de Howard
Deutch.
Ao longo do filme acompanhamos dois
personagens completamente diferentes:
Keith, um garoto que de certa maneira
parece perdido dentro de sua própria vida, e
Watts, a linda amiga de Keith que nutre uma
paixão secreta por ele e tem uma sensibilida-
de incrível em relação ao seu universo. Ao
final da história nos deparamos com Keith,
segurando em sua mão os brincos compra-
dos com o dinheiro que poupara por toda
a vida, correndo atrás de Watts. Eles se re-
conciliam e caminhando pela rua molhada e
cheia de reflexos Keith diz: “You look good
wearing my future”.
Eis que, através dessa fala, todo o com-
portamento errático e instável de Keith, que
o tornava um personagem estranho e de certa
forma vazio, se justifica e a mise en scène
esclarece. Ao ver os dois caminharem abra-
çados, sempre olhando em frente enquanto
se distanciam da câmera que logo sobe e
também se distancia, transformando o plano
médio da reconciliação em um olhar sobre
o ombro para o horizonte, podemos ver que
esse final não trata do futuro de Keith, mas
da celebração da impulsividade adolescente,
da energia e coragem dos jovens, do movi-
mento em direção a si mesmo; é a celebração
da inocente coragem vinda da sensação de
infinidade que cada adolescente carrega e faz
doar o futuro às orelhas da garota que ama.
A adolescência é período de movimen-
to, de deslocamento, de reencontro inconse-
quente com o mundo. Espaço de transição
entre a inocência da infância e o peso de ser
um adulto. É a adaptação a um novo corpo, a
novos espaços, e a novos rituais. É o período
de pura interação e maturação emocional e
sexual. É por excelência o tempo de autode-
finição no qual a única certeza que se tem é
aquilo que não si é. É fase de libertação e de
busca pelo risco, de combate entre gerações,
inflamação emocional e de conflito. É meia-
-vida de graça e momentos de infinidade
apesar da própria natureza efêmera. É essa
sensibilidade e complexidade que interessa
ao cinema tematizar, criando essas experiên-
cias de pura satisfação.
Vejamos, por exemplo, o filme Digam
o Que Quiserem (Say Anything, 1989), de
Cameron Crowe. Existem, disseminados por
todo filme dois sentimentos principais: O de
“primeira vez”, de experimentação, dando
frescor e vivacidade aos personagens além
de nos apontar que é naquele amor de verão
que a principal mudança em suas adolescên-
cias, e talvez em suas vidas, ocorrerá. O ou-
tro é um sentimento de fatalidade, que faz
com que todas as escolhas e acontecimentos
sejam definitivos e irreversíveis e, portanto,
extremamente dolorosos.
Cameron Crowe irá modular esses dois
sentimentos, puramente adolescentes, para
nos passar a sensação de um primeiro amor e
da valentia de se enfrentar o mundo.
NA PÁGINA ANTERIOR, CENA DO FILME ALGUÉM MUITO ESPECIAL (1987)
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